Nagisa Oshima contou que certa vez um jornalista alemão "extremamente impertinente" lhe perguntou por que ele fazia cinema. A resposta que lhe ocorreu no momento foi: "Para entender o tipo de pessoa que eu sou".
O jornalista retrucou que, se era só isso, ele podia fazer filmes em 8 mm, não precisava de formato scope e cor. Oshima então refletiu que o elemento constitutivo de seu cinema era o belo e que, para isso, ele precisava de cor, scope e muito mais.
No meu entender, a verdadeira resposta está num parágrafo que ele escreveu num de seus muitos artigos: "O que os cineastas realmente querem é filmar a morte. E também filmar homens e mulheres (ou homens e homens, mulheres e mulheres, pessoas e animais) praticando o sexo".
A obra desse maravilhoso e revolucionário diretor de cinema foi exatamente isto: filmar os extremos, o limite do cinema com a vida, e desta com a morte. Seu lema era transformar o cinema num modo de vida, que envolvia a equipe e os atores. Seus filmes tinham o intuito não apenas de reproduzir, mas de produzir uma nova realidade.
E foi isso que sua obra-prima, "O Império dos Sentidos", alcançou: nunca mais a vida dos atores e técnicos que participaram dessa aventura de sexo e amor ao vivo seria a mesma, e o cinema erótico também se transformaria para sempre.
Em meu livro "World Cinema and the Ethics of Realism" (cinema do mundo e a ética do realismo), chamei de "atitude ética" a escolha de Oshima de filmar de modo explícito a beleza do sexo extremo que culmina em morte.
Seu compromisso com a verdade resumia o ideal de toda uma geração de cineastas interessados em explorar as propriedades transformadoras do cinema. Oshima foi o líder inconteste da chamada "nouvelle vague japonesa" nos anos 1960 e 1970.
Porta-voz em seus abundantes escritos e aparições na mídia desse grupo revolucionário, teve a coragem de combater abertamente o tratado de segurança nipo-americano ("Conto Cruel da Juventude"), o stalinismo que penetrava o meio estudantil ("Noite e Névoa no Japão") e a discriminação dos coreanos ("O Enforcamento").
E ninguém como ele soube representar o homossexualismo transbordante entre samurais e militares ("Tabu" e "Furyo: Em Nome da Honra").
Seu ato mais ousado foi o de sexualizar a nação, transformado o círculo do Sol da bandeira japonesa em manchas vermelhas de sangue, ou negras de morte, às quais estudantes rebeldes ateiam fogo e nas quais casais incestuosos e estupradores se envolvem ("Maníaco à Luz do Dia", "Canções Lascivas do Japão", "Diário de um Ladrão de Shinjuku").
Seus filmes eram destrutivos e autodestrutivos e, por isso, Oshima os comparava à fênix, que morre e renasce de suas próprias cinzas.
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