No último dia 12, um menino negro de sete anos, filho de um casal de brancos, foi destratado pelo gerente de uma concessionária da BMW no Rio de Janeiro, que ao vê-lo se aproximar teria dito: "Você não pode ficar aqui dentro. Aqui não é lugar para você. Saia da loja. Eles pedem dinheiro e incomodam os clientes".
O fato é uma lamentável demonstração de preconceito, mas não é surpreendente. Em razão da notícia, a rádio CBN reapresentou uma reportagem na qual dois repórteres, um negro e outro branco, de idades próximas e vestindo roupas parecidas, testaram o atendimento que receberiam em estabelecimentos comerciais cariocas.
O tratamento dado ao negro foi sistematicamente pior e em boa parte das vezes nem sequer foi atendido. Em uma loja de roupas masculinas, ao branco foi oferecido um terno de maior qualidade, e, ao negro, o mais barato.
O diabo é que os preconceitos se devem a uma poderosa capacidade humana, a de fazer generalizações a partir de experiências limitadas. Poderosa, mas falível.
Preconceitos como o racismo ou o sexismo são frutos de generalizações indevidas e estigmatizadoras. Porém, sem conceitos prévios (preconceitos), que permitam tomar decisões rápidas, teríamos dificuldade para fazer coisas simples, como dirigir ou escolher um restaurante sem ter uma indicação.
Ainda assim, vale uma constatação etimológica: preconceito é sinônimo de prejuízo (em inglês, preconceito é "prejudice"). Nossos antepassados, ao criar suas línguas, perceberam que conceitos ou juízos prévios costumam levar a perdas, a ideias equivocadas. A loja da BMW teve um baita prejuízo com o episódio. Evitar comer um queijo mofado pode ser sensato, mas corre-se o risco de desprezar uma iguaria.
Isso não significa que se deva deixar de fazer generalizações, mas uma certa parcimônia é proveitosa. No caso da concessionária, o tratamento dado a uma criança que se aproximava foi indevido mesmo que ela não fosse filha de clientes.
Um bom vendedor se esforça para atender a todos bem, mesmo que muitas vezes perca tempo. Contudo, a força da capacidade humana de generalizar costuma prejudicar o exercício desse tipo de cuidado.
No Brasil, ser negro é uma marca de pobreza. Tal generalização não só condiz bem com a realidade como carrega outras generalizações associadas à pobreza. Por exemplo, se num comércio de luxo aparece uma criança pedindo esmolas, é provável que muitos clientes prefiram ver o gerente colocando-a para fora da loja a ter que lidar com o incômodo da pobreza que existe no país.
Os casos destacados não são surpreendentes, portanto. Por isso, em 19/07/2004, defendi em artigo publicado na Folha que as cotas raciais devem servir para diversificar a elite brasileira, de forma que ela passe a espelhar melhor a pluralidade étnica da população.
Crescimento econômico, redução das disparidades sociais e políticas públicas, como educação boa e universal, são cruciais para o país ser melhor, mas não tendem a tornar a elite mais plural.
Nos EUA, há uma significativa elite negra. A riqueza americana contribui para isso, mas o país já era rico quando, nos anos 60, Kennedy teve que mandar tropas federais para garantir a matrícula de negros na Universidade do Alabama. Depois, vieram as cotas raciais e os direitos civis. Hoje, o presidente da República é negro.
Anos depois desse primeiro artigo, a constatação é que o debate das cotas ajudou a colocar o tema racial na agenda brasileira. O percentual de autodeclaração de negros e pardos no censo do IBGE subiu significativamente. Os estudantes cotistas têm em geral bom desempenho acadêmico.
Apesar desses bons resultados, muitos entendem que as cotas racializam o país. Talvez, mas nesse caso é preciso apresentar outras opções para desrracializar a sociedade brasileira, pois isso é um fato, como mostram os exemplos dados.
Outros acreditam que o problema é existirem elites. Como a existência de elites é insofismável, prefiro que a brasileira não seja apenas branca. Tampouco sou contra as elites, que podem ter papéis importantes, como o de garantir que numa democracia a vontade da maioria seja temperada pelos direitos individuais.
Ruim é o elitismo, que ocorre quando a elite acredita que quem atrapalha o país é o seu povo. Para isso, a diversificação da elite é um bom remédio.
O poder econômico é uma arma poderosa contra os preconceitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário