Com a crise, grandes investidores não sabem mais onde aplicar o dinheiro
Sven Böll e Martin Hesse
Der Spiegel
O homem que controla mais de 450 bilhões de euros (US$ 558 bilhões) está usando meias com listras roxas, rosas e vermelhas e uma gravata de bolinhas. A sua cabeça calva brilha tanto que parece ter sido polida. Ou seja, Yngve Slyngstad é um típico norueguês de aparência tranquila. Ele ri bastante e demonstra uma tendência de temperar as suas respostas com pitadas de ironia.
Então, como se sente um dos mais poderosos investidores do mundo em 2012? "Antigamente nós procurávamos lucros sem riscos". Ele pausa para aumentar o efeito da frase. "Mas atualmente nós sabemos muito bem que a opção restante são os investimentos de risco e sem lucros".
Atualmente esta é uma experiência comum para esse investidor de 49 anos de idade. O seu desafio constante é encontrar maneiras de investir uma grande quantidade de capital novo e de reinvestir capital antigo.
Como presidente do fundo soberano norueguês, Slyngstad coleta as receitas oriundas do petróleo do seu país, que atualmente são de 100 milhões de euros – por dia. O fundo deveria utilizar essas receitas para proporcionar ao país prosperidade no longo prazo. Mas a tarefa não é fácil já que o governo espera que Slyngstad e a sua equipe de mais de 300 pessoas produzam um lucro de 4% sobre o investimento.
Em ocasiões passadas, profissionais do setor de investimento teriam desprezado essa exigência, classificando-a de restritiva. Mas os tempos mudaram. Entre 1999 e 2007, o fundo soberano norueguês gerou um rendimento médio de quase 6%, mas nos últimos quatro anos esta média caiu para apenas 1%. "A situação nos mercados financeiros tornou-se extremamente difícil", explica Slyngstad. As taxas de juros estão despencando no mundo inteiro e a Alemanha, mais do que qualquer outro país, está se beneficiando do temor de que a zona do euro sofra uma implosão.
Dinheiro emprestado sem juros
Neste momento em que a saída da Grécia da união monetária passou a ser uma opção realista, em que a Espanha luta desesperadamente para preservar a sua independência financeira e os cidadãos do sul da Europa começaram a retirar todo o dinheiro das suas contas bancárias, a corrida à Alemanha – que é tida como o porto seguro da Europa – voltou a intensificar-se.
Nas últimas semanas, o ministro das Finanças da Alemanha contraiu um empréstimo de dois anos sem que tivesse que pagar um só centavo de juros. Até mesmo investidores que emprestam dinheiro ao tesouro alemão há uma década encontram-se atualmente satisfeitos com um rendimento de apenas 1,2% ao ano. E os juros sobre os títulos do Tesouro dos Estados Unidos e sobre as securities da dívida japonesa também se encontram em níveis similarmente baixos.
Mas aquilo que é útil para vários ministros das Finanças é frustrante para os investidores. Quando os atuais rendimentos baixíssimos são ajustados de acordo com a inflação, muitos investidores veem-se de fato tendo prejuízos. Investir dinheiro está virando sinônimo de destruição de ativos, já que são pouquíssimos os investimentos que produzem de fato rendimentos.
Investidores profissionais de todo o mundo estão atualmente administrando mais de 60 trilhões de euros, o que é mais do que o dobro daquilo que administravam dez anos atrás. Há quem fale de uma "emergência de investimentos" nos mercados financeiros internacionais, e o mais desconcertante quanto a isso é que o problema não está afetando tanto os bilionários ou os especuladores corporativos gananciosos quanto os maiores protagonistas do mercado financeiro: fundos soberanos como o da Noruega, companhias seguradoras japonesas e fundos de pensões dos Estados Unidos e da Alemanha.
A maioria desses protagonistas está administrando o dinheiro de pequenos investidores, bilhões de dólares em ativos com os quais eles não desejam fazer nenhuma aposta. Ao contrário, o objetivo deles é investir o dinheiro de forma que esses pequenos investidores possam pagar aos seus clientes pensões de valor considerável ou quantias referentes a apólices de seguro de vida. No entanto, isso geralmente só funciona se o dinheiro for investido de maneira segura, gerando ao mesmo tempo um rendimento de alguns pontos percentuais.
Mas, em muitos casos, tais rendimentos tornaram-se irrealistas, agora que os credores da Grécia tiveram que absorver o calote referente a uma grande parte da dívida daquele país. Como resultado, um princípio básico da estrutura de investimentos foi destruído. Os títulos dos principais países industrializados foram considerados investimentos isentos de riscos durante décadas. Mas agora ficou evidente que os investidores em títulos podem também perder o seu dinheiro. Ninguém mais sabe o que é de fato um porto seguro para investimentos.
Títulos, ações ou dinheiro
Para Friedrich von Metzler, 69, um banqueiro de Frankfurt, este é um triunfo há muito esperado. Metzler sempre recomendou modéstia aos seus clientes. Pinturas a óleo dos seus ancestrais estão dependuradas na parede da sala de conferências na sede do seu banco privado. O banco pertence à família de Metzler há quase 350 anos, e ele sobreviveu a pestes, à hiperinflação e a duas guerras mundiais. Os clientes de Metzler contam com três opções para investirem o seu capital: títulos, ações e dinheiro. "Quem achar que isso não é suficiente terá que procurar a concorrência", diz Metzler.
Essa atitude não desencoraja vários dos seus clientes ricos. Pelo contrário, os negócios estão melhores do que nunca. Recentemente, Metzler teve que reiterar o seu mantra, que vai de encontro à ganância humana, diversas vezes: "No longo prazo, preservar os ativos em termos reais já se constitui em um sucesso".
O único problema é que mesmo isso se tornou uma meta utópica para muitos investidores nos mercados financeiros. Vejamos, por exemplo, as companhias de seguro alemãs, que operam em uma indústria altamente regulamentada. Após o colapso do mercado em 2000, as companhias tiveram que vender a maioria das suas ações. Elas são obrigadas a manter pelo menos dois terços dos ativos dos seus clientes aplicados em investimentos absolutamente seguros. E isso, segundo o consenso geral, ainda significa aplicar em títulos do governo com altas classificações de crédito.
Eles só têm permissão para aplicar um terço dos ativos que administram em outros tipos de investimentos, como o mercado imobiliário, títulos de corporações e fundos de hedge. Isso se constitui, digamos, no seu "dinheiro para apostas". Mas mesmo quando essas instituições assumem altos riscos com esses ativos, o rendimento médio total para o dinheiro recém-investido está atualmente em 3,5%.
Isso gera um enorme problema no longo prazo. As companhias de seguro ainda têm vários securities mais antigos nas suas carteiras, e eles produzem rendimentos mais elevados. Mas os novos investimentos são bem menos rentáveis, e, como resultado, o retorno médio dos investimentos em geral está caindo de forma lenta, mas contínua.
Além do mais, milhões de segurados optaram por apólices que lhes garantem rendimentos anuais de 4%. Se uma companhia de seguro for incapaz de alcançar essa meta, ela será forçada a recorrer às suas reservas. Isso, por sua vez, faz com que aumente a pressão sobre o setor para proporcionar rendimentos maiores.
Descartando títulos
Este é um desafio com o qual Volker Blau está bastante familiarizado. Blau trabalha para a firma de investimento norte-americana PIMCO, onde ele administra o pagamento de seguros para seguradoras como a gigante alemã Allianz e outras companhias de seguro europeias. Blau diz que uma companhia de seguros na Alemanha é como um automóvel Porsche que só pode ser dirigido na primeira marcha. Ou seja, ela dispõe de potência abundante, mas as suas possibilidades de ação são limitadas. O valor total das apólices de seguro alemãs chega a 734 bilhões de euros.
Quando a seguradora conservadora Allianz adquiriu a PIMCO, 12 anos atrás, aquela foi uma iniciativa no sentido de fazer uma mudança de ritmo pelo menos para a segunda marcha e aceitar os riscos vinculados a uma estrada esburacada. Mas o que ocorre quando essa estrada vai se tornando cada vez mais intransitável?
E quanto aos títulos do governo? "Antes mesmo da crise do euro, muitas seguradoras começaram abandonar as aplicações em títulos governamentais, onde os rendimentos vinham sendo baixos havia vários anos", afirma Blau.
E as ações? "Os investimentos das companhias de seguro em equities encontram-se nos níveis mais baixos já registrados", diz Blau. Recentemente, o setor investiu apenas uma média de 3,3% dos seus ativos em ações. Até mesmo gigantes do setor como a Allianz e a Munich Re saíram escaldadas com o colapso do mercado de ações em 2000.
E o que fazer com todo o dinheiro? Blau mostra-se imperturbável. Existem vários investimentos de juros fixos que são quase tão seguros quanto os títulos do governo alemão, mas que geram maiores rendimentos. Por exemplo, os títulos cobertos de dez anos, conhecidos na Alemanha como Pfandbriefe, estão pagando juros de 2,5% na Alemanha, e produtos similares em outros países europeus oferecem rendimentos maiores. Mas os títulos que são segurados por imóveis espanhóis também implicam em um risco maior.
Busca por alternativas
É isso o que acontece quando se decide trilhar novas rotas. Às vezes não se sabe se esses caminhos não são apenas trilhas velhas e erradas.
No passado, o gerente de investimentos Blau não via problemas em adquirir títulos emitidos por bancos. Mas desde que o Lehman Brothers faliu e depois do desastre grego, nenhum investidor se dispõe mais a emprestar dinheiro a bancos sem exigir em troca uma garantia financeira substancial. Em vez disso, Blau está fazendo cada vez mais aqueles tipos de investimentos que os bancos costumavam fazer. Por exemplo, no setor imobiliário. Quando o Deutsche Bank vendeu as suas recém-renovadas torres gêmeas em Frankfurt para a sua subsidiária DWS no ano passado, o financiamento veio da Allianz.
Há pouca coisa que Blau não está disposto a explorar na sua busca por lucros derivados de investimentos. Ele avalia desde projetos de infraestrutura até usinas eólicas. A última moda é, por incrível que pareça, o investimento em parquímetros. Há dois anos, a Allianz e um grupo de parceiros investiram um bilhão de euros em uma companhia que opera parquímetros em Chicago. E embora os bancos se esquivem de financiar as autoridades municipais alemãs, que estão com carência de dinheiro, as companhias de seguro mostram-se cada vez mais interessadas pelos títulos municipais. A companhia alemã de seguros de vida R+V Lebensversicherung comprou recentemente 20 milhões de euros em títulos da prefeitura de Wiesbaden, uma cidade do oeste da Alemanha.
Os títulos corporativos e a dívida soberana de economias emergentes, que no passado eram coisas para os mais intrépidos, subitamente passaram a ser vistos como focos de segurança. E, se no passado os elevados déficits orçamentários, as dívidas e as poucas reservas em moeda estrangeira desencorajavam muitos investidores a aplicar o seu dinheiro em regiões de alto crescimento, atualmente países como o Brasil e a Coreia do Sul adquiriram a reputação de devedores responsáveis. "Em alguns casos, grandes companhias industriais, assim como economias emergentes, são capazes de oferecer mais segurança do que certos títulos governamentais de nações industrializadas", diz Blau.
Florestas e shopping centers
Daniel Just está sofrendo ainda mais pressões do que os gerentes das companhias de seguro para gerar rendimentos de longo prazo decentes. Just é diretor de investimentos do fundo de pensão Bayerische Versorgungskammer, que administra 55 bilhões de euros em ativos. Para os membros de diversas profissões, incluindo médicos, advogados e até mesmo limpadores de chaminés, as contribuições que eles fazem para fundos de pensões como o Bayerische Versorgungskammer são muitas vezes os seus únicos planos de aposentadoria. Se no longo prazo a Alemanha pudesse vira a ser afligida por baixas taxas de juros, para milhões de pessoas as consequências disso seria devastadora.
Não há como superestimar os efeitos de juros compostos. Se uma pessoa poupar 500 euros por mês, ela acumulará 350 mil euros em 30 anos, assumindo que a aplicação envolva um rendimento anual de 4%. Mas se os juros diminuírem para apenas 2%, o resultado final cairá para cerca de 100 mil euros.
Para fazer frente a esse problema, Just escolheu uma rota revolucionária para o Bayerische Versorgungskammer anos atrás: investir em economias emergentes. A ideia é que economias novas e em ascensão na Ásia e na América Latina financiarão as pensões de uma sociedade alemã que está envelhecendo. Devido à abordagem de Just em relação aos investimentos, atualmente a Bayerische Versorgungskammer não só é a orgulhosa proprietária de florestas nos Estados Unidos, mas também de terrenos comerciais na China e no Brasil, bem como de um shopping center no Chile.
Tudo que prometa fluxos de capital de longo prazo consistentes é considerado atraente. Uma competição entre grandes investidores por ativos reais como imóveis e projetos de infraestrutura já teve início, e os preços estão subindo proporcionalmente a isso. "Está ficando cada vez mais difícil encontrar investimentos atraentes", diz Just. De fato, o novo problema no universo de investimentos é o mesmo que o antigo. A indústria financeira é como uma manada que via de regra corre toda na mesma direção.
"Eu estou de fato gostando da situação"
"Sempre é errado fazer aquilo que todo mundo está fazendo", diz Hendrik Leber, sentado no seu escritório pouco mobiliado no distrito bancário de Frankfurt. Ele usa algumas canetas hidrográficas para ilustrar o que diz. Leber desenha uma tabela em um pedaço de papel, usando a caneta hidrográfica azul. Ele diz que cada um dos 50 compartimentos na tabela representa uma oportunidade de investimento – desde securities de governos e títulos corporativos de países em desenvolvimento até commodities como o ouro.
No momento, todo mundo está apostando em alguns poucos compartimentos, especialmente aquele que contém a dívida soberana alemã. Ele desenha um círculo em torno desse compartimento.
"A maioria das pessoas é incapaz de enxergar como o resto do mercado é altamente atraente", diz Labor, que gerencia um fundo com ativos no valor de 1,1 bilhão de euros. "Eu estou de fato gostando desta situação", acrescenta ele. Sempre que a sua política de investimentos permite, ele investe segundo o lema: Se você vai correr riscos, é melhor correr riscos grandes. Por exemplo, ele investiu em títulos emitidos por bancos irlandeses.
No momento a sua preferência recai sobre um país que todo mundo está evitando como uma verdadeira praga: a Grécia. Ele comprou ações de várias companhias gregas, incluindo aquelas de uma empresa de loterias. Leber tem uma explicação bastante racional para uma medida que pode dar a impressão de ser mais do que audaciosa: "Os gregos sempre jogaram na loteria, e eles continuarão jogando".
Tradutor: UOL