sexta-feira, 22 de junho de 2012

Conflitos entre budistas e mulçumanos intensificam desigualdades em Mianmar


Mas quem são esses rohingyas, indivíduos da Ásia, que até mesmo a "heroína birmanesa da democracia", Aung San Suu Kyi, hesitou em defender durante sua visita à Europa? Nas últimas semanas, os tumultos que eclodiram em Arakan, no oeste de Mianmar, entre essa minoria de muçulmanos e a maioria budista, resultaram oficialmente em mais de 80 mortos e 54 feridos. O programa alimentar mundial da ONU distribuiu uma ajuda emergencial a 60 mil pessoas, afirmando que 90 mil desalojados precisavam de assistência.
As ONGs temem que esse número seja bem mais elevado. Certas fontes suspeitam que a polícia birmanesa tenha ajudado os budistas nos massacres antimuçulmanos.
A própria origem do nome rohingya é controversa, uma vez que os historiadores birmaneses alegam que ninguém ouvira falar dele antes dos anos 1950. Esse fato fortalece a argumentação do governo de Mianmar, que lhes nega qualquer direito de cidadania e os considera como estrangeiros e imigrantes ilegais.
Fisicamente parecidos com os bengaleses, eles se comunicam em uma língua próxima do bengali falado em Chittagong, no sul de Bangladesh, e teriam origens diversas, provavelmente descendendo de árabes, mongóis, turcos, mouros e outros persas que desembarcaram no Sudeste Asiático.
Segundo a ONU, os rohingyas são "a minoria mais perseguida do mundo". Seriam 800 mil deles no Estado de Arakan, concentrados, sobretudo, nas áreas perto da fronteira do Bangladesh. Nesse país, para onde eles fugiram em massa várias vezes para escapar da repressão da junta birmanesa então no poder – sobretudo em 1978 e em 1991-1992 - , centenas de milhares de rohingyas permaneceram nos campos de refugiados em Bangladesh. Muitos sobrevivem em absoluta miséria.
Ninguém quer os rohingyas. São os ciganos do Extremo Oriente, reprimidos pelo regime birmanês há tempos, na melhor das hipóteses tratados como "bengaleses", e na pior de "monstros negros". Nesse momento, eles estão sendo até reprimidos pela guarda fronteiriça bengalesa. Bangladesh, cuja solidariedade "islâmica" de outrora agora ficou para trás, não quer somar a seus próprios problemas a chegada maciça desses malditos por todos.
Em Yangun, teve início uma onda de ódio contra eles na internet, onde são comparados a "cães, ladrões, terroristas". Um internauta, comentando uma foto que mostrava o cadáver de um rohingya durante os primeiros tumultos, escreveu esta frase: "A morte ainda é pouco para eles como punição!"
Confisco de terras
Mesmo ex-dissidentes presos acreditam que eles deveriam voltar para a "casa" deles e deixar o país. Casa? Eles não têm. Instalados em território birmanês no mínimo desde o reinado do Império Britânico, eles não têm para onde ir. O governo lhes negou qualquer direito de cidadania.
Em 1982, uma lei os tornou oficialmente apátridas. Os rohingyas não são reconhecidos como minoria étnica em um país onde há listadas 130 etnias. Eles encontram dificuldades para se casar, para enviar seus filhos à escola, não podem frequentar a universidade. Eles são – ou foram – os principais alvos dos abusos do aparelho do Estado durante a antiga junta militar, sofrendo extorsões, confisco de terras e trabalhos forçados.
Certas vozes moderadas lamentam que a retirada parcial da censura e a continuidade de um processo de democratização pelo atual governo tenham permitido a emergência de uma liberdade de expressão que assume um viés incômodo quando são despertados os velhos demônios do racismo e da discriminação religiosa ou étnica.
Dessa vez, tudo começou no início de junho, após o estupro e o assassinato, no dia 28 de maio, de uma jovem birmanesa budista de 28 anos, Ma Thidar Htwe. Depois que se espalhou o rumor da culpa dos rohingyas, uma multidão de budistas atacou um ônibus ocupado por muçulmanos. Eles lincharam até a morte dez deles. Começou então o ciclo de represálias, com os rohingyas saqueando vilarejos budistas de Arakan antes de eles mesmos serem atacados e expulsos de suas terras.
O presidente birmanês Thein Sein impôs então o estado de exceção e um cessar-fogo nas regiões problemáticas. A censura, cujo fim definitivo as autoridades haviam anunciado no dia 1º de junho, foi restabelecida – ou não retirada – a respeito de qualquer informação sobre os tumultos de origem religiosa.
No dia 19 de junho, um tribunal de Arakan condenou à morte dois homens acusados do estupro e do assassinato. Eles haviam sido identificados anteriormente pela imprensa birmanesa como "muçulmanos bengaleses", termo que define os rohingyas, ainda que em Mianmar também haja muçulmanos de origem indiana ou bengalesa que não são rohingyas.
O surto de violência traz o temor de que a tensão entre muçulmanos e budistas se estenda a outras regiões do país, uma vez que muitos discípulos do profeta originários do subcontinente indiano imigraram para Mianmar durante a colonização britânica. Em um país devastado desde sua independência por diversas guerras étnicas, isso é algo com que se preocupar.
Mesmo Aung San Suu Kyi se recusou a intervir claramente a favor dos rohingyas, provavelmente por temer críticas de seus partidários caso ela ousasse defender esses homens sem existência.
Reportagem de Bruno Philip, para o Le Monde, reprduzida no UOL.
Tradutor: Lana Lim

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