quarta-feira, 20 de junho de 2012

Aborto forçado de uma grávida de sete meses põe em xeque política de natalidade do governo chinês


A cidadã chinesa Zhang Li (nome fictício) só pode ter um descendente. Porque não reúne as três condições que, segundo a estrita política demográfica do governo chinês, são necessárias para ter um segundo filho: ser filha única, agricultora ou divorciada. E Zhang também não pertence a uma minoria étnica, outra circunstância que lhe daria opções. Ela é só uma chinesa han, à qual se deve aplicar a política do filho único adotada pelo país no final da década de 1970. Mas dentro de alguns dias Zhang dará à luz seu segundo filho. Sabe que terá de pagar caro pela ousadia. "Não temos certeza, mas nos falaram de uma multa de 50 mil iuanes (cerca de 6.300 euros)."
Depois de vários estratagemas, ela tem consciência de que, apesar de tudo, é uma privilegiada, já que a punição não passará disso. Zhang fala com uma mistura de terror e alívio sobre o que aconteceu no início deste mês a Feng Jianmei, que foi obrigada a abortar pelas autoridades da cidade de Ankang, na província central de Shaanxi.
Não importou que estivesse no sétimo mês de gestação, apesar de a lei chinesa estipular que os abortos são proibidos a partir do sexto mês. Era preciso fazer cumprir a política de natalidade e Feng, assim como Zhang, não se intitulava a nenhuma isenção.
Mas a jovem de 22 anos, que não pôde enfrentar a multa de 40 mil iuanes (5 mil euros), foi retirada com os olhos vendados da casa de um parente, a obrigaram a assinar um documento que não a deixaram ler e lhe injetaram um medicamento para que parisse seu filho morto. Além disso, deixaram o feto ensanguentado ao seu lado na cama do hospital em que se realizou a operação.
As imagens de Feng provocaram uma nova explosão de revolta no ciberespaço chinês, e nesta ocasião a pressão nas redes sociais obrigou o governo a modificar sua versão inicial, na qual afirmava que a interrupção da gravidez foi voluntária. Além disso, três funcionários foram destituídos, à espera de um castigo mais severo "por ter violado a norma estatal e provincial no que diz respeito ao planejamento familiar".
No entanto, médicos da localidade de Liyang confirmam que não é uma prática incomum. "O caso de Feng é extremo, mas sabemos que muitos casais pobres são ameaçados ou coagidos a abortar."
A lei do filho único evitou o nascimento de 400 milhões de pessoas (de uma população total de 1,339 bilhão), que teriam elevado a pressão demográfica a níveis insustentáveis, salientam. Mas muitos consideram que a norma é injusta, porque só se aplica aos que não têm recursos. E Zhang está de acordo. "Para nós é um incômodo, mas podemos encarar o pagamento." Eles gozam de boa posição econômica e acabam de adquirir uma casa e um Mercedes, seu segundo veículo.
"Ter um segundo filho custa menos que um carro, e creio que é lógico que possamos tê-lo, porque em princípios podemos lhe dar uma vida melhor que a dos agricultores", explica.
Mesmo assim, Zhang fez o possível para reduzir sua fatura. Mudou seu lugar de residência, da capital da província de Jiangsu, Nanquim, para o povoado de Liyang. Porque ali conhecia os funcionários, que, em última instância, são quem determina o valor da multa. "Eles nos garantiram que não tomarão nenhuma represália contra nossa empresa", comenta.
Em um país que já tem mais de 100 milhões de filhos únicos, basta visitar qualquer colégio pago para encontrar irmãos. Os chineses estão conscientes de que aumenta a brecha que separa poderosos e deserdados, e fazem ouvir sua rejeição na rede.
O exemplo mais comentado foi o de um casal da cidade de Rui'an, no sul, que teve de desembolsar a quantia recorde de 1,3 milhão de iuanes (164 mil euros) por seu segundo descendente. Assim se compreende que o governo tenha arrecadado em 2010, segundo o "Diário do Povo", 20 bilhões de iuanes (2,5 bilhões de euros) em multas relacionadas ao planejamento familiar. Mas ninguém sabe aonde vai parar o dinheiro.
E muitos advertem sobre o risco que representa para a pirâmide populacional não adotar reformas na lei de natalidade. Em 2050 poderia haver quatro pessoas com mais de 65 anos para cada dez entre 15 e 64, um lastro muito pesado para um país que carece de um sistema de segurança social forte e que tradicionalmente baseou sua estabilidade econômica na instituição da família. Sem dúvida, Feng não poderá exigir muito da filha, que hoje tem 5 anos. Mas Zhang logo dará à luz outro pilar de seu futuro bem-estar.


Reportagem de Zigor Aldama, para o El País, reproduzida no UOL.


Tradutor:
 Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Nenhum comentário:

Postar um comentário