Sou instado a falar deste assunto.
A Comissão da Verdade está aí e alguns gostariam de vê-la sufocada.
Buscam justificativas que não passam de racionalizações.
Tentam acreditar, por exemplo, que a repressão só começou depois do AI-5 como reação à guerrilha.
Ou que a ditadura só começou, de fato, em 1968.
Uma ditadura começa quando um governo legítimo é derrubado sem ter cometido ilegitimidade capaz de invalidar a sua legitimidade e de promover o legítimo direito à insurreição e à resistência da soberania popular.
É o pecado original.
Nada mais limpa essa mácula.
Para não sobrecarregar a mente dominical do leitor, ficarei apenas em cinco historiadores sobre os desmandos da ditadura.
Carlos Fico (UFRJ), em “Como eles agiam, os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política”, mostra um painel estonteante da repressão. Poucos tiveram acesso a tantos documentos sigilosos e secretos como ele.
As suas afirmações são acachapantes: o pau comeu solto nos primeiros meses depois do golpe. Castelo Branco fingia não ver o que estava acontecendo, deixando a culpa para a “linha dura”, impulsionada pelo anseio de combater o comunismo e a corrupção. Em setembro de 1964, com a notícia da morte do sargento Manoel Alves de Oliveira, stelo teve de mandar investigar.
Fico resume: “Castelo não pôde ficar indiferente e acabou por nomear seu Chefe da Casa Militar, o general Ernesto Geisel, para a espinhosa missão de investigar as denúncias, inclusive no Nordeste. Obviamente Geisel voltou de viagem tergiversando e apresentou um relatório no qual apontava ter havido tortura nos primeiros dias da ‘Revolução’, mas nada afirmando quando ao momento da missão (empreendida meses depois dos episódios denunciados). Castelo Branco nada fez de mais visível”.
Thomas Skidmore, em “De Castelo a Tancredo”, sintetiza o trabalho da Operação Limpeza acontecida entre abril e junho de 1964: “Quais foram as dimensões globais da repressão? Talvez em sua maior parte tenha ocorrido nos dez dias entre a deposição de Goulart e a eleição de Castelo Branco, embora no Nordeste tenha continuado até junho. O número dos detidos em consequência do golpe só pode ser estimado, pois não se divulgaram dados oficiais a respeito: provavelmente o total variou entre 10.000 e 50.000. Muitos foram libertados dentro de dias, e outros, de semanas, Chegaram talvez a centenas os que sofreram torturas prolongadas (mais de um ou dois dias). Os apologistas da repressão costumavam dizer que os possíveis excessos seriam insignificantes em comparação com o que a esquerda teria perpetrado se houvesse conquistado o poder. No entanto, permanecia o fato de que elementos da polícia e das forças armadas, devidamente autorizados, recorreram a tortura”.
A tortura, junto com a escravidão, é o mais infame dos crimes.
Quem quiser detalhes leia “Estado e oposição no Brasil (1964-1985), de Maria Helena Moreira Alves.
Ou “Torturas e torturados”, de Márcio Moreira Alves.
Sobre as origens do golpe, “1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe”, de René Armando Dreifuss.
Sobre a totalidade dos fatos, “O governo João Goulart, as lutas sociais no Brasil – 1961-1964″, de Luiz Alberto Moniz Bandeira.
De agora até 2014, quando se chegará aos 50 anos do golpe de 64, a verdade virá à tona.
Tudo será revirado.
A internet não deixará a mídia conservadora e convencional repetir o seu apoio aos golpistas, como aconteceu em 64, sem contestação. O tempo da transparência, com o que ele, obviamente, carrega de polêmicas, está aberto.
Sempre vale repetir o balanço feito por Jacob Gorender: “Pode-se estimar que cerca de cinquenta mil pessoas tiveram, no período ditatorial, a experiência traumática da passagem pelos ‘porões’ e, destas, não menos e vinte mil foram submetidos à violência da tortura. Nos cerca de oitocentos processos por crimes contra a segurança nacional, encaminhados à Justiça Militar, figuraram onze mil indiciados e oito mil acusados, resultando em alguns milhares de condenações.
Vinte mil marcas de tortura não se apagam por decreto.
Vinte mil cicatrizes reais não se eliminam com racionalizações.
Uma ditadura real, em nome da democracia, não se justifica como reação a uma suposição de projeto ditatorial.
O suposto perigo comunista foi o pretexto para a implantação da ditadura urdida por militares e civis conservadores mancomunados com os Estados Unidos. Se ele não existisse, seria preciso inventá-lo.
Como ele não existia em dimensão suficiente para um golpe, foi preciso hiperdimensioná-lo.
Para isso foi decisiva a participação do Partido da Imprensa Golpista.
Militares e imprensa devem um robusto pedido de desculpas aos torturados ou às suas famílias.
Justo o que procurava sobre conservadora em bh
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