Manifestações de jornalistas raramente obtêm grande adesão popular, e o movimento de apoio que tem se organizado nos últimos dias a favor de Uri Blau, jornalista do diário "Haaretz", permanece limitado à corporação. Entretanto, o envolvido no caso está prestes a se tornar uma "causa célebre" na imprensa israelense, o que não quer dizer que esta última seja inteiramente solidária com um jornalista que o procurador-geral, Yehuda Weinstein, indiciou por "espionagem grave".
Uma coisa parece clara: o Estado e sua Justiça querem dar uma lição a esse repórter de 35 anos e, através dele, ao jornalismo investigativo, lembrando que tudo que tem relação com o Exército, ou seja, a segurança nacional, constitui um limite a não ser ultrapassado.
Recapitulando: em dezembro de 2009, uma jovem soldado, Anat Kamm, foi presa pelo Shin Beth, serviço de inteligência interna, por ter copiado milhares de documentos confidenciais do computador de seu superior, um importante oficial do Exército israelense.
Um ano antes, em novembro de 2008, Uri Blau havia publicado um artigo no "Haaretz" explicando que o Exército havia desprezado cientemente uma decisão do Supremo Tribunal que limitava os casos em que os assassinatos direcionados de combatentes palestinos podiam ser autorizados. Descobriu-se que o jornalista dispunha então de aproximadamente 2 mil documentos... fornecidos por Anat Kamm.
Ao processá-lo por posse ilegal de documentos "confidenciais" e "ultraconfidenciais", mas "sem intenção de prejudicar a segurança do Estado" (mas ele pode ser condenado a até sete anos de prisão), a Justiça israelense parece estar desconfortável. Ela reconhece que Uri Blau não é um espião, ao mesmo tempo em que o processa por "espionagem", mas não no sentido tradicional do termo, ela explica.
O terror do julgamento
Vários jornais denunciaram "um precedente perigoso para a liberdade de imprensa". "Não há nenhum meio de dar informações sobre o gabinete do primeiro-ministro, os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores, o Exército e os serviços de inteligência, sem obter documentos que sejam mais ou menos 'confidenciais'", afirma um editorial do "Haaretz", que lembra que os jornalistas israelenses de qualquer maneira são sujeitos à censura militar.
De forma geral, as associações de jornalistas apoiam a linha do "Haaretz" e alertam sobre uma ameaça à liberdade de informação. Se surgem vozes dissonantes, é porque a ocasião é propícia para acertar contas com um jornal decididamente engajado do "lado da paz" (com os palestinos) e que, por causa disso, não poupa nem o governo nem o exército israelense.
No jornal popular "Maariv", Ben-Dror Yemini ressalta que Uri Blau mentiu (ao guardar documentos, contrariando um acordo feito com as autoridades) e afirma: "Blau e seu jornal tentaram pegar em uma armadilha os chefes do Exército, e hoje eles continuam a se esconder por trás da liberdade de expressão". A polêmica não está perto de acabar, pelo menos até o julgamento.
Embora o veredicto continue incerto, o objetivo de dissuasão buscado pelo Shin Beth pode já ter sido atingido: "Os jovens jornalistas israelenses", observa Gideon Levy, editorialista do "Haaretz", "vão viver aterrorizados por esse julgamento. Em uma democracia deficiente, os mensageiros são enviados à prisão e os verdadeiros culpados – aqueles que ordenaram essas execuções sumárias – são promovidos", ele diz.
Tradutor: Lana LimReportagem de Laurent Zecchini, para o Le Monde, reproduzida no UOL.
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