Disputas por terras no Brasil vitimizam indígenas
POR SIMON ROMERO
ARAL MOREIRA, Brasil - Em um acampamento cercado por plantações de soja, perto da fronteira do Brasil com o Paraguai, os atiradores chegaram em caminhonetes durante a madrugada.
Testemunhas disseram que os homens atiraram em Nísio Gomes, 59, líder da população indígena guarani. Carregaram seu cadáver em um dos veículos e foram embora. "Queremos os ossos do meu pai", disse Valmir Gomes, 33, um dos filhos de Nísio, que presenciou o assassinato em novembro passado. "Ele não é um animal para ser arrastado daquele jeito."
Na disputa pelas terras ancestrais, os assassinatos e desaparecimentos de líderes indígenas continuam aumentando, o que deixa uma mancha sobre a ascensão econômica do Brasil. A expansão de enormes criações de gado e fazendas em regiões remotas produziu uma disputa pela terra que deixa os descendentes dos habitantes originais do Brasil desesperados para recuperá-las. Em alguns casos, eles invadem propriedades contestadas.
Enquanto isso, os proprietários de terras -muitos dos quais vivem em terras colonizadas há décadas por seus familiares nos chamados programas de colonização do governo- defendem igualmente suas reivindicações.
Os conflitos muitas vezes resultam em choques violentos, que podem terminar tragicamente para os índios: 51 foram mortos no Brasil em 2011. Vinte e quatro dessas mortes se relacionavam a disputas por terras, segundo o Conselho Indigenista Missionário, da Igreja Católica.
As mortes chamaram a atenção para um problema que ainda aflige o Brasil, que recebe a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro. Vinte anos atrás, antes da primeira Cúpula da Terra no Rio, as autoridades reagiram às críticas internacionais sobre a morte de indígenas ianomâmis por garimpeiros criando uma reserva de 96 mil quilômetros quadrados na Amazônia.
A presidente Dilma Rousseff se antecipou este mês com a demarcação de sete áreas indígenas muito menores. Mas Cleber César Buzatto, o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, diz que a medida foi decepcionante porque as áreas, de modo geral, não eram foco de disputas por terra.
Em alguns casos, os tribunais abriram caminho para que alguns povos indígenas -que representam menos de 1% da população brasileira, de 191 milhões de habitantes- recuperassem suas terras. Em Roraima, em 2009, a Suprema Corte do Brasil expulsou plantadores de arroz das terras de 20 mil indígenas. Neste ano, o Supremo Tribunal Federal anulou os títulos privados de 200 propriedades no Estado da Bahia, decidindo que a terra pertencia à população pataxó hã hã hãe. A decisão se seguiu a choques que deixaram pelo menos dois mortos.
A tensão também aumenta na discussão sobre uma proposta de lei que abriria áreas indígenas à mineração. Essa situação mostra como a demanda por recursos naturais no Brasil pode exacerbar as disputas por terra.
Ataques contra povos indígenas persistem no Mato Grosso do Sul, onde empresas multinacionais como a Louis Dreyfus, gigante francesa de matérias-primas, têm investimentos.
O surto de riqueza na região contrasta com o desespero dos povos indígenas do Estado - cerca de 75 mil pessoas de uma população de 2,4 milhões. Sua marginalização tem raízes em políticas implementadas nos anos 1930, quando os governantes brasileiros encurralaram os guaranis em pequenas reservas com a intenção de abrir vastas áreas para os colonizadores que vinham de todo o país.
Os resultados para os indígenas foram desastrosos. À sombra da prosperidade do Mato Grosso do Sul, líderes indígenas chamam a atenção para as mortes de dezenas de crianças guaranis por causa da desnutrição e de uma epidemia de suicídios na última década, notadamente em Dourados, uma área urbana onde milhares de guaranis vivem amontoados em pequenos terrenos.
Enquanto a investigação sobre a morte de Gomes se arrasta, os guaranis vivem com medo. As famílias dormem em tendas no acampamento. Adolescentes patrulham com arcos e flechas. Quando os visitantes recebem permissão para entrar, as crianças seguram placas dizendo: "Queremos os ossos de nosso líder, Nísio Gomes".
Alguns proprietários de terras afirmam que o complexo sistema jurídico brasileiro dificulta a resolução das disputas.
"Os direitos de todos têm de ser garantidos", disse Roseli Maria Ruiz, cuja família possui uma fazenda que foi parcialmente ocupada há mais de uma década por guaranis e onde ocorrem choques com os indígenas. "Não podemos, como não nativos, ser tratados como cidadãos de segunda classe", disse. "Também devemos ter o direito de nos defender."
Colaborou Lis Horta Moriconi, do Rio de Janeiro
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