Desde que o 20 de novembro foi instituído Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (Lei 12.519/2011), uma pergunta virou recorrente: por que dedicar esta data à celebração da negritude? A resposta sempre me pareceu óbvia, porém a insistência no questionamento deixa claro que não. Mas é possível que a lembrança de alguns dos muitos episódios envolvendo a temática racial no Brasil nos últimos meses possa ajudar a elucidar a questão.
Por incrível que pareça, a Companhia das Letras conseguiu lançar um livro sobre a infância do abolicionista Luiz Gama com a descrição de cenas em que crianças negras pulavam corda com correntes no porão de um navio negreiro, achando graça em brincar de escravos de Jó enquanto seguiam rumo à escravização. Coisa bizarra, tosca e cruel, além de surreal.
No Rio de Janeiro, um instrutor de surfe negro foi acusado por um casal branco de roubar uma bicicleta elétrica quando aguardava parado ao lado da própria bicicleta em frente a um shopping na zona sul.
No Rio Grande do Norte, um quilombola foi amarrado, arrastado pela rua e agredido por um comerciante branco por ter jogado uma pedra na porta do bar do homem que havia lhe negado um prato de comida.
No Rio Grande do Sul, um grupo de manifestantes antivacina entrou na Câmara da capital carregando cartazes ilustrados com a suástica e agrediu vereadoras negras que, entre outras coisas, foram chamadas de "lixo".
No Ceará, uma delegada de polícia preta foi expulsa da Zara, loja que mantinha um código de vigilância específico para pessoas negras.
No futebol, paixão nacional, foram inúmeros os casos de manifestações racistas país afora.
Por essas e outras, além do Dia da Consciência Negra, talvez seja o caso de criar também o Dia da Consciência Branca, uma data dedicada à reflexão sobre privilégios da branquitude. Quem sabe ajude a parcela da população que há séculos se sente confortável para destilar ódio e manifestar desumanidade a agir com lucidez e respeito à diversidade.
Texto de Ana Cristina Rosa, na Folha de São Paulo.
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