Recebeu menos atenção do que merecia a reportagem de Camila Veras Mota, para a BBC Brasil, intitulada “Por que os agricultores brasileiros estão deixando de plantar feijão –e o que isso tem a ver com a fome”.
Enquanto o agronegócio tenta nos convencer de que as abelhas trabalham em parceria com os granes produtores rurais, o prato-símbolo da alimentação brasileira está sumindo do campo. Plantações de arroz e feijão estão sendo substituídas pela soja, sempre ela.
Não é de hoje nem culpa do governo atual, mas uma série de fatos e decisões que têm nos empurrado para o buraco há mais de 40 anos –e que explicam parcialmente a lama em que vivemos na atualidade.
Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento, ligada ao Ministério da Agricultura) mostram a evolução das áreas plantadas desde a safra 1976/77 até a atual, de 2020/21.
Nesse intervalo, as plantações de feijão foram reduzidas em 35%, de 4,9 milhões de hectares para 2,9 milhões de hectares. A área do arroz encolheu para menos de 1/3 do que era nos anos 1970.
Já o cultivo de soja pulou de 6,9 milhões de hectares para 38,9 milhões de hectares. Do Rio Grande do Sul ao Piauí, o Brasil virou um gigantesco campo de soja.
Toda essa soja não está aí para fazer tofu orgânico nem óleo de fritar pastel. É uma commodity com cotação internacional em dólar. E ração para a indústria de carne, outra commodity.
Em suma: desde o século passado, a agricultura brasileira mandou às favas (ops!) as lavouras voltadas para garantir comida na mesa da população. É algo que já estávamos carecas de saber, mas que nunca havia sido desenhado com tanto didatismo.
Houve incremento na produtividade, mas nada que compense a perda de área cultivada. Segundo o texto da BBC, o volume de feijão colhido segue mais ou menos estável desde a primeira aferição, em 1976/77. No mesmo ínterim, a população do país dobrou.
Paralelamente, houve o abandono dos mecanismos para garantir o mínimo de segurança alimentar aos brasileiros.
Para evitar flutuação exagerada de preços, os governos devem manter estoques que suprem a falta deste ou daquele alimento em caso de quebra de safra. O estoque público de feijão, que era de 150 mil toneladas em 2010, está zerado desde 2017.
Ou seja, se a demanda aumentar ou a oferta diminuir, o feijão fica mais caro.
Outro sinal do desdém pelo feijão é a asfixia das pesquisas para melhorar a genética das plantas e as técnicas agrícolas. A grana da pesquisa do feijão agora vai… sim, você acertou, para a soja!
No limite, a opção pelos dólares da soja pode levar à extinção do hábito brasileiro de comer feijão com arroz no almoço, todo dia. Já não dá para comprar carne. Sem feijão, o que comeremos?
Macarrão instantâneo? Bolacha recheada? Fuzis?
Texto de Marcos Nogueira, em seu blogue Cozinha Bruta, na Folha de São Paulo.
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