quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Somos o único povo do mundo que se vacinou à revelia do presidente


Uma coisa une todos os brasileiros: o prazer de falar mal do brasileiro. "O Brasil seria um país rico se não fosse o brasileiro", costuma dizer o brasileiro. Há quem diga que "o melhor do Brasil é o brasileiro", mas costuma ser ironicamente. Há quem use inclusive "brasileirar" ao se referir a uma bandalha. "Vou dar uma brasileirada e entrar na contramão."

O próprio presidente já sugeriu trocar nossa população pela japonesa, pro país decolar. Podia começar dando o exemplo e partir. Não conseguiria. Lá estão exigindo a vacinação. Falamos todos os dias frases sobre nós mesmos que configurariam xenofobia caso direcionadas a algum povo estrangeiro. Somos um caso raro de autoxenofobia.

Tanto ódio não se justifica. A pandemia deixou isso muito claro. O povo brasileiro foi o maior responsável pela sua própria sobrevivência. Afinal, somos o único povo do mundo que se vacinou à revelia do presidente —deixando claro quão pouca moral ele tem.

Alguns povos se vacinaram apesar do presidente, ou sem a participação dele. O brasileiro foi além: se vacinou contra a vontade dele. Arrisco dizer: pode ser até que tenha gente se vacinando só pra deixar ele puto.

Quase 610 mil pessoas morreram no Brasil.

Se não fossem os institutos de pesquisa, os prefeitos e governadores, pesquisas indicam que esse número passaria de 1 milhão. Mas não podemos nos esquecer daquele que fez muito mais do que lhe foi pedido: o brasileiro médio. O povo brasileiro se isolou o máximo que pôde sem que lhe exigissem, muitos ficaram em casa enquanto o presidente mandava ir pra rua, e 80% já se vacinaram apesar do boicote deliberado do presidente —que não somente não comprou vacina, mas também não se vacinou, e também disse que as vacinas causavam Aids.

O prêmio Nobel de Medicina do ano que vem já tem favorito: o brasileiro médio. Merece estátuas no país inteiro: "monumento ao brasileiro anônimo, confinado por conta própria, vacinado por rebeldia". Sem qualquer ironia, o melhor do Brasil é o brasileiro.

Não é exagero dizer que o atual presidente não somente odeia o brasileiro como tenta nos matar de todas as formas. A campanha pela não vacinação vem junto de uma campanha pelo armamento. O vírus pode estar partindo —os fuzis vão ficar.

Pro ano que vem, não peço muito: apenas um presidente que não queira nos matar.


Texto de Gregorio Duvivier, na Folha de São Paulo

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