segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Apaixonada por George Harrison, brasileira Regina dava presentes ao beatle


A piada dura quatro segundos. "Como se chama esse corte de cabelo aí que você usa?", indaga um repórter chato em "A Hard Day’s Night". E George Harrison responde, num timing perfeito de comédia: "Arthur".

Até aquele momento, eu não era beatlemaníaca. Depois, continuei não sendo. Apenas uma ouvinte entusiasmada da banda mais icônica que já existiu. Não nego, é claro, que ali nasceu meu crush especial pelo garoto de Liverpool que não era Lennon, nem McCartney. Porém, nada que se compare à idolatria de Regina.

Aproveitando a efeméride dos 20 anos da morte de Mr. Harrison, eu lhe telefonei para garimpar histórias. Minha curiosidade vinha de antes, quando sua filha Luiza comentou comigo: "Sabia que mamãe deu o colar que George usa num filme dos Beatles? Um dia pergunte a ela". E assim o fiz.

Tudo começou quando Regina tinha 15 anos e foi ao cinema em Copacabana. Antes da sessão, passava um curta mostrando quatro rapazolas em ritmo de iê-iê-iê. Um deles lhe chamou a atenção. "Era lindo, aparecia penteando a franjinha. Cismei que tinha de vê-lo novamente". E não deu outra: Regina pagou ingresso para assistir aos Beatles trocentas vezes, no escurinho. "Notei outras meninas, tão fãs quanto eu. Logo fizemos amizade e cada uma adotou um apelido: Elizabeth Lennon, Denise McCartney e Regina Harrison".

Elizabeth, que mais tarde seria conhecida como Lizzie Bravo e cantaria com o quarteto na música "Across the Universe", já estava de malas prontas para embarcar com Denise nessa ousada missão adolescente: ficar de tocaia na porta do estúdio Abbey Road, em Londres. Regina então foi a uma loja de souvenir para turistas, escolheu um colar com pedras brasileiras e fez a encomenda: "Levem lá para meu cabeludo favorito". George não só curtiu o recebidinho, como justamente aparece com ele no longa-metragem musical "Magical Mystery Tour" (1967).

"A partir do colar, mandei outros mimos. Inclusive um LP da Claudete Soares". E ele gostava? "Muito! Guardo seus recados agradecendo, principalmente o que enviou quando soube que operei o apêndice. E já que tocava cítara, cheguei a lhe comprar um berimbau. Depois pensei: hmmm, não vai ser muito prático enviar."

Falando em praticidade, Regina —que se tornou modelo, posando para revistas como Manchete, O Cruzeiro, Fatos & Fotos— foi à Inglaterra e teve a chance de jantar com Paul McCartney. "Só que George na época estava em Los Angeles. E se eu não podia me encontrar com ele, ia jantar com outro beatle por quê?" Prioridades.

Os anos se passaram, let it be, coisa e tal. Regina se casou não com George, mas outro guitarrista. Até que, em 1979, "o beatle quieto" veio ao Brasil assistir à Fórmula 1 e lançar um disco. "É agora ou nunca", ela pensou, despistando os seguranças do evento e dando o abraço que estava guardado há tempos. Junto com um beijo daqueles, em bom batom vermelho, que deixou sua marca no astro.

"E o que você sentiu ali na hora???", perguntei, eletrizada. "O cheiro mais maravilhoso vindo daquele cabelo!", contou Regina às gargalhadas. "Se eu fechar os olhos agora, sinto de novo aquele aroma inesquecível". A cafungada de uma vida.

Encantada pelas minúcias tão amorosas do relato de Regina, perguntei a ela se já haviam lhe entrevistado a respeito. "Ah, não. De nós todas, Lizzie era a que tinha mais história com todos os quatro". Foi a única brasileira a gravar com eles. "Sinto falta dela. Nos falávamos todos os dias". Cantora, fotógrafa e depois casada com Zé Rodrix, que a chamou de "esperança de óculos" na letra da canção "Casa no Campo", morreu em outubro deste ano. "Foi minha grande amiga. E nosso vínculo começou ali, naquele cinema, vendo os Beatles pela primeira vez."

Ternos, amalucados, quantos relatos assim ficarão inéditos em documentário? Mesmo havendo uma série tão incrível e cheia de imagens raras feito "Get Back", que acaba de ser lançada, cada fã é um fragmento único de uma história de admiração e lealdade que persiste. "All things must pass", cantava o ídolo. Só que nem tudo, George, passa. 20 anos após sua morte, veja o tanto que ficou. A paixão, as lembranças e esse perfume de nostalgia. Além do berimbau jamais enviado, até hoje ocupando a casa e o coração de Regina.


Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo

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