Um mistério da crônica como gênero tipicamente brasileiro é seu frescor. Escritos há mais de 60 ou 70 anos, no improviso e às pressas, textos feitos para o momento e para encher meia página de jornal ou de revista tinham tudo para ser esquecidos imediatamente e virar embrulho de peixe. No entanto, pela sua qualidade, vão ficar para sempre.
O espaço nobre das livrarias neste fim de ano está ocupado por antologias com as obras de Antônio Maria, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, José Carlos (Carlinhos) Oliveira, Stanislaw Ponte Preta, expoentes de uma geração fora de série, não à toa conhecidos como sabiás da crônica. Talvez aí esteja a solução do mistério: o talento dessa turma era capaz de fazer qualquer coisa durável.
Para aproveitar a onda, poderia ter sido editada uma coletânea que reunisse exclusivamente as sabiás da crônica. Não faltaram mulheres escrevendo na mesma época em pé de igualdade com os homens. A começar por Clarice Lispector, que no Jornal do Brasil cunhou uma frase maravilhosa com a qual definiu sua singular atuação no gênero: "Vamos falar a verdade: isto aqui não é crônica coisa nenhuma. Isto é apenas".
Rachel de Queiroz foi a mais longeva e combatente: 77 anos de trincheira política em inúmeros periódicos (O Ceará, Última Hora, O Cruzeiro, O Estado de S. Paulo). Cronista da Folha na década de 60, Cecília Meireles usava o lirismo para retratar o cotidiano e a polêmica para brigar pela educação no país.
Duas autoras são um tesouro enterrado à espera da redescoberta. Militante comunista e organizadora do baile carnavalesco Caju Amigo, Eneida de Moraes evocava memórias da infância em Belém do Pará. Seu livro "Cão da Madrugada" (1954) é uma obra-prima. Não por último, Elsie Lessa, 40 anos como cronista globetrotter de O Globo. É a minha preferida, uma sintaxe perfeita e a prosa mais viva, sem data.
Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.
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