Mesmo tendo em conta a Sua onisciência, é duvidoso que, há cerca de 2.000 anos, o Messias soubesse que estava a dirigir-se a outro Messias.
Seja como for, o conselho de Jesus, apesar de antigo, não tem sido seguido. Disse Ele: “Por que vês o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que tens no teu? Ou como poderás dizer a teu irmão: ‘Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?’”. Ficamos a saber que, para o filho de Deus, um dos problemas deste mundo é que as pessoas lastimem, nos outros, exatamente os mesmos defeitos que têm.
Pois bem, concedo que possa ser problemático, mas é muito engraçado —pormenor que parece ter escapado a Deus.
Se Ronaldinho Gaúcho se exasperar com os boêmios, em princípio a gente ri. Se Elton John lamentar que as pessoas não sejam mais sóbrias a vestir-se, também tem graça.
Por isso, sempre que Bolsonaro acusa alguém de ser idiota, é difícil suster o riso.
Há uns tempos, Bolsonaro já tinha chamado idiotas a estudantes que se manifestavam contra cortes na educação. Pouco depois, disse que talvez tivesse exagerado.
Não concordo. Se, quando Bolsonaro chama idiota a alguém, estamos perante aquele fenômeno que a psicologia designa por projeção, então ele nunca, mas nunca, exagera.
Os especialistas discordaram, mas já vem sendo um hábito (e é, aliás, um fenômeno fascinante que a pandemia ajudou a compreender) que quem entende de saúde pública discorde de quem não entende de saúde pública.
O mais surpreendente foi o seguinte: as declarações de Bolsonaro foram criticadas mesmo pelos empresários que pediam a reabertura das atividades. Não é qualquer idiota que reúne um consenso tão vasto. Isso só está ao alcance de um extraordinário idiota.
É possível que sejamos todos idiotas. Se uns idiotas não organizam um processo rápido de vacinação, outros idiotas têm de ficar em casa. É um círculo vicioso de idiotia contra o qual, infelizmente, não há vacina. Resta-nos o consolo de pensar que, se houvesse, o governo seria incompetente a adquiri-la e a administrá-la. Não perdemos nada.
Texto de Ricardo Araújo Pereira, na Folha de São Paulo.
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