Entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, ao menos 564 pessoas foram mortas e 110 ficaram feridas por armas de fogo no estado de São Paulo, conforme dados contidos em pesquisa da UERJ de 2008, no episódio que ficou conhecido como “Crimes de Maio”.
Passados 15 anos, diversos estudos que contaram, inclusive, com análise pericial dos corpos, chegaram à mesma conclusão: sob a justificativa de “repressão ao crime” praticado por uma facção criminosa, houve uma onda de violência estatal contra pessoas negras, jovens e periféricas que morreram por ação direta da polícia (nos chamados “autos de resistência”) e em razão da atuação de grupos de extermínio, com indício de participação de policiais e ex-policiais (as chamadas chacinas ou execuções sumárias).
Qualquer semelhança dessa narrativa com a da chacina do Jacarezinho não é mera coincidência. Ao contrário, apenas demonstra como a violência de Estado no Brasil é estrutural e fruto de um sistema profundamente desigual, racista e autoritário, em que uma significativa parcela da população não tem acesso aos direitos mais básicos.
No mesmo ano dos “Crimes de Maio” foi criada no estado de São Paulo a Defensoria Pública, instituição que tem como missão constitucional, justamente, a de promover o acesso da população mais vulnerável à Justiça.
Sendo a investigação de graves violações de direitos humanos um aspecto fundamental do acesso à Justiça, logo nos anos iniciais de criação a Defensoria foi procurada pelo movimento das mães e familiares das vítimas daqueles crimes, que reivindicavam atuação em razão da impunidade que caracteriza os delitos praticados por agentes estatais.
Impulsionado pelas “Mães de Maio”, o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos passou a atuar na defesa dessas vítimas em diversas esferas. Além de requerimentos de desarquivamento de inquéritos policiais, em 2010 foram propostas oito ações cíveis de indenização por danos morais e materiais contra o estado de São Paulo. No mesmo ano, em conjunto com as “Mães de Maio” e outras entidades da sociedade civil, foi feito pedido de “federalização” das investigações à Procuradoria-Geral da República.
Posteriormente, em 2015, foi apresentada denúncia contra o Estado brasileiro no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e, em 2018, houve ingresso em ação civil pública que busca o reconhecimento do direito à verdade e à memória e de reparação das vítimas.
Infelizmente, nenhuma dessas ações foi capaz, até agora, de garantir o que as mães e familiares buscam: a responsabilização do Estado e de seus agentes pela morte de entes queridos e respostas efetivas para que violações como essa não se repitam.
Apesar desse triste cenário, a força das mães e dos movimentos sociais, que insistem em “tocar o sino” de que nos contou Saramago e anunciar que “a Justiça está morta”, foi e é essencial para a consolidação do trabalho da Defensoria Pública em favor das vítimas de violência. Também nos motiva a aprimorar a nossa atuação, para que seja pautada pela escuta e busque a redução das desigualdades sociais e a efetividade dos direitos humanos.
Texto assinado por Fernanda Penteado Balera e Letícia Marquez de Avelar, publicado na Folha de São Paulo.
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