Em recente coluna, lembrei a lição de Rubem Braga contra a discriminação dos portugueses à maneira de falar dos brasileiros. Alguns leitores ficaram com a impressão de que o Braga era antilusitano. E ainda por cima preconceituoso, ao dizer que Portugal, com o tempo, adotou a prosódia dos camponeses e dos pescadores. Nada mais falso.
Se pudesse, ele passaria o tempo na roça, cultivando pés de milho, ou, com seu vasto conhecimento de ventos e correntes, pescando em alto-mar. Rubem devia seu sobrenome à cidade de Braga, uma das mais antigas de Portugal. Sabia de cor os sonetos de Camões e fez uma adaptação em prosa de "Os Lusíadas". Considerava um decassílabo camoniano —"A grande dor das coisas que passaram"— o mais belo verso da língua portuguesa, porque construído com as palavras mais simples. O poeta caolho foi o mestre de estilo do Sabiá da Crônica.
Também aprendeu com Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco. Tinha predileção pelos romances históricos de Alexandre Herculano. Gostava de ler manuais de mecânica, agricultura e jardinagem e, com o mesmo prazer, os sermões do padre Antônio Vieira, as narrativas marítimas de Diogo do Couto, os tratados de Francisco Manuel de Melo, autor da "Carta de Guia de Casados", autoajuda do século 17 sobre a vida conjugal. O curioso é que, na entrada da sua cobertura em Ipanema, pendurou um azulejo com a frase "Aqui mora um solteiro feliz".
Na cabeceira da cama ficavam o "Dicionário Contrastivo Luso-Brasileiro", de Mauro de Salles Villar, e o "Rifoneiro Português", de Pedro Chaves. Neste, colheu antigos provérbios que passou a citar em textos e conversas com amigos, tendo motivo ou não: "Alegrai-vos, tripas, que aí vai vinho", "Bravo, seu Zé Nabo", "É na cara dos pobres que os barbeiros aprendem".
Um deles se ajusta a nossos tempos sombrios: "El-Rei não manda chover, manda marchar".
Texto de Alvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.
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