A mulher dos anos 1950 confessava no divã um desejo bem diferente daquele que podia realizar nos casamentos da época —ou mesmo fora deles. A monogamia, com suas obrigações maritais —leia-se sexo compulsório— pesava como spray broxante, fomentando frigidez e fantasias impronunciáveis. Digo mulheres pois, embora o desejo homoerótico dos homens fosse proibido, não dá para comparar a liberdade de cada gênero.
Para Foucault, o sujeito reprimido do século 19 escrutinava o sexo em nome da ciência e da religião, revelando a obsessão em tudo dizer sobre o mesmo. Se o sexo é interditado, resta saber como, quando e com quem, nos mínimos detalhes. Como a mão, o olho, a boca, o pênis, a vagina, o ânus podem ou não comparecer na relação tornou-se assunto tanto de tratados científicos quanto de encíclicas papais.
Em 1905, Freud defendia, para escândalo da galera, que a sexualidade humana não cabe em nenhum manual, portanto, normal é uma palavra que não orna com sexo. Cada um que assuma a “dor e a delícia de ser o que é”, como diz Caetano, o mais analisado de nossos poetas. Mas também é verdade que o inventor da psicanálise contribuiu para legitimar a heteronormatividade na leitura do mito de Édipo. Moral da história: ninguém é perfeito e amamos odiar/amar Freud.
Passadas algumas décadas, muitas lutas feministas e redes virtuais depois, os segredos da alcova ganharam o espaço público, num grande movimento de desnaturalização e ultra exposição do que pode e do que não pode no reino do ingovernável.
[É sempre bom lembrar que a regra pétrea da sexualidade é que nenhuma forma de abuso e exploração do outro é aceitável, sob nenhuma circunstância. O resto é festa.]
Daí o boom das casas de swing, a explicitação das trocas de casais, do poliamor, das relações não monogâmicas e a realização dos fetiches, agora ao alcance de um zap.
A pergunta que passa a ser feita no divã se modifica. Diante do imperativo de gozar, resta saber como usufruir da “liberdade” alcançada.
Na esteira das novas experimentações —por vezes inspiradoras, por vezes desastrosas— alguns se perguntam se estão perdendo alguma coisa e se deveriam experimentar também. Do possível para o obrigatório é só um pulinho, eliminando o caráter libertador. Cria-se o curioso paradoxo: diga-me como gozar... para que eu me sinta livre!
Como sugere a socióloga e antropóloga Marília Moschkovich, é importante marcar a diferença entre monogamia —como cada um decide o tipo de relação que quer estabelecer com o outro— e Monogamia. Ela reserva a palavra com “M” maiúsculo para se referir à estrutura social que normatiza a relação de “exclusividade afetiva/sexual”. Daí pouco importa como, quanto e com quem você se deita, desde que essa escolha não responda aos imperativos sociais capitalistas, mas ao desejo singular do sujeito.
A resposta da nova geração tem sido um grande bocejo de tédio diante do modelo de sexo “liberal”. Diferentemente dos mais velhos, que ainda insistem em fazer dos jogos sexuais o suprassumo da liberdade, o jovem parece mais inclinado a experimentar o sexo em outras bases, menos glamorizadas. Parafraseando Nelson Rodrigues: sem pudores, pouco afrodisíaco. Nada contra, cada geração encerra uma solução própria e provisória para as questões da morte, do sexo, do amor…
Acossados pela morte, invoquemos Eros em todas as formas que abalam as estruturas e não as que servem aos imperativos do neoliberalismo e do consumo.
Texto de Vera Iaconelli, na Folha de São Paulo.
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