sábado, 1 de maio de 2021

Cinco anos de namoro



As amigas diziam que ela nunca encontraria um namorado.

Aos 27 anos, Leda era considerada muito exigente. Ela ria da previsão porque sabia que, se não encontrasse, ficaria bem.

Trabalhava desde os 15, era boa no que fazia, podia se sustentar e, de verdade, não tinha certeza sobre se queria ou não ter filhos. Um dia, voltando do trabalho, distraída, desceu do ônibus dois pontos depois do seu. Já eram quase nove horas, a rua estava escura e ela não conhecia aquele lugar muito bem. Teve medo e a sensação aumentou quando viu o corpo de um homem se aproximar.

Leda olhou para os lados para entender para onde poderia correr. Desde pequena, tinha sido orientada por sua mãe em relação a abusos sexuais. “Grita, minha filha. Grita para que as pessoas percebam que alguma coisa está acontecendo.”

Ela tinha 11 anos quando usou a tática pela primeira vez: um velho na lotação a abraçou por trás e colocou as mãos em um de seus seios. Leda começou a berrar, o motorista parou o carro e Leda mudou de lugar. O velho seguiu a viagem sem ser importunado. Medo do sexo oposto; que merda de mundo é esse?, ela pensava.

“Tá perdida?”, disse a voz do rapaz vindo em sua direção. Leda fechou os ombros, como quem tenta se proteger de um ataque. “Não tô, não!”. “Mora por aqui?”. “Sim, bem ali”, disse, apontando para lugar nenhum. “Se não se importa, vou te acompanhar até sua casa.” Leda levantou os ombros, como quem não diz sim, mas também não diz não. Ter que aceitar a ilusória proteção de um homem contra a agressão de outro homem era adicionar deboche ao abuso.

Seguiram mudos. Na porta da casa dela, ele disse: “Me chamo Danilo. Posso pegar seu telefone?”. Leda pensou em dar um número falso, mas lembrou que ele já sabia onde ela morava, então, não adiantaria.

Leda e Danilo começaram a sair. Danilo trabalhava como entregador, era mais novo do que ela e tratava Leda como se ela fosse uma divindade encarnada. Ele era engraçado e, Leda, que nem sabia que era capaz de gargalhar, agora vivia gargalhando. “Você tem que ganhar dinheiro fazendo as pessoas rirem”, ela dizia.

Mas Danilo só pensava em ser atleta. Essa era, aliás, a única coisa que a incomodava: todos os dias ele acordava às 4h30 da manhã para correr antes de ir trabalhar. “Precisa ser tão cedo? Corre quando chegar do serviço”, ela dizia. E ele respondia: “Sabe o que acontece com preto correndo à noite, Leda?”.

No dia em que fariam cinco anos de namoro, Danilo foi comprar um colar para Leda e, atrasado para o jantar, não viu a batida policial na esquina, mandando que a moto parasse. Foram cinco tiros e o terceiro, na nuca, foi o que o matou.

Leda ficou uma semana sem conseguir se mexer. No sétimo dia, colocou um tênis e, antes do nascer do sol, saiu correndo. Correu por duas horas seguidas. Faz quase 20 anos que Danilo levou cinco tiros pelas costas e Leda só deixou de correr quando Paulo nasceu. Na noite em que Danilo morreu, Leda contaria que estava grávida.

Paulo chegou ao mundo cheio de saúde e com a cara do pai que ele não conheceu. De segunda a domingo, às 4h40 em ponto, Leda e Paulo saem de casa para correr. Na volta, tomam café juntos e, durante a semana, Paulo vai para a faculdade de direito. Diz que vai ser jurista para fazer justiça, para que ninguém cresça sem pai.

Mas não é todo dia que conseguem ver o sol nascer. Tem dias, aliás, que é só frio e chuva, dias em que o sol nem dá as caras. Leda não se importa, porque corre para sentir Danilo correndo ao seu lado. Ao contrário do sol, ele se faz presente a cada passo do caminho.


Texto de Milly Lacombe, na Folha de São Paulo

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