“Minha vida toda é uma mentira!”
O lamento, em tom dramático, veio da TV que hipnotiza meu filho. Era um daqueles desenhos infantis que os redatores temperam com sarcasmo para aliviar o próprio tédio –e o dos pais, telespectadores por tabela.
E não é que eu me identifiquei? Como o canastrão desiludido de filme bosta, declaro: minha vida toda foi uma mentira. É duro descobrir, aos 50 anos, que você tem meio século de papel de otário nas costas.
A ficha caiu de vez nesta semana, quando o tal do mercado recebeu com festa a eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara. Mas ela já descia, queimando e arranhando, há alguns anos.
Até 2013, quando o angu empelotou de vez, eu era um rabugento otimista. Achava que, aos trancos e solavancos, caminhávamos no sentido da civilização. Entrei no ensino médio em 1985, adolesci no ocaso da ditadura.
O que veio depois, pensava o trouxa aqui, justificava alguma esperança no Brasil e na humanidade. Macarrão italiano. Aids sob controle. Avião barato. Internet. Nordestão decolando. Iphone. Carne boa para o churrasco. A multiplicação das cervejas. Que mais um homem poderia querer?
O safanão da última semana me fez ver que o Brasil sequer tentou deixar de ser a Sucupira de Dias Gomes. Aqui, o tosco e o macabro andam juntos –mas não de mãos dadas, pois cooperação é coisa de comunista.
Nos infames anos 1970, havia três tipos de classe média: a que era perseguida pelo regime, a que apoiava ativamente os milicos e a que passava pano. Na terceira categoria, a mais numerosa, estavam os meus pais e todo mundo com quem eu convivi até a adolescência.
Gente que diz que é melhor não se meter nisso. Que trabalha para sustentar os seus e se encapsula numa vidinha medianamente boa, blindada de todo o horror lá fora. O típico individualista brasileiro, de cercas, muros, carros blindados e escolas que treinam os futuros farialimers bilíngues.
Na democracia, esses indivíduos não evoluíram nem desapareceram. Adaptaram-se e fizeram pose de civilizados enquanto o jogo lhes era vantajoso. Quando sentiram que o jogo poderia mudar para valer, saíram de suas jaulas gourmet com o porrete na mão.
Os viúvos do pau-de-arara sempre estiveram onde eu nunca os vi: são ex-amigos, parentes, cozinheiros, cervejeiros, vinhateiros, antigos punks de meia-pataca, aqueles colegas que tinham algo esquisito, mas eu não sabia bem o quê.
Essa gente, quando não aplaude, se cala ante o freak show. Trabalha calada para garantir o seu. Melhor não se meter.
O Brasil é o que sempre foi: brega, tribal, cafajeste, desleal, venal, paroquial, dissimulado, rancoroso, oco, sociopata. O Brasil é o SBT, a Havan, o Coco Bambu, o Madero, o Neymar, os fura-filas da vacina, os sertanejos que gritam “mito” na churrascaria.
O Brasil é o sushi de salmão com óleo trufado. É o picolé atochado no petit gâteau. É um enorme brigadeiro gourmet de chocolate belga –commodity que nossa elite cafona engole como se fosse o maná do deserto.
Texto de Marcos Nogueira, em seu blogue Cozinha Bruta, na Folha de São Paulo.
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