Arrumava-se diante do espelho enquanto seu próprio reflexo a julgava. Ao longo do último ano, sua rotina se resumia a uma batida sobre-humana de trabalho. O certo seria ficar em casa descansando, mas quem está disposto a fazer a coisa certa em um sábado à noite?
Naquele fim de semana, pensando no bem de sua saúde mental, ela se permitiu enlouquecer e aceitou o convite para uma festa.
Um convite irrecusável, diga-se de passagem, ainda mais para ela, que sempre foi deixada de fora em comemorações e chamada de “espalha rodinha” pelas costas. Mas o mundo gira, para decepção dos terraplanistas, e agora era ela a convidada de honra de um evento para milhares de pessoas.
Sim, um evento de grande porte, com 12 horas de duração, DJs renomados, duas pistas de dança, área VIP e área VIP dentro da área VIP. Com uma infraestrutura dessas, a festa nem parecia clandestina.
Sim, era uma festa clandestina, mas seguindo todos os protocolos de segurança: uso obrigatório de máscaras, a não ser que você estivesse segurando um copo; distribuição de álcool para os convidados, também conhecida como open bar, e, claro, o distanciamento social, que se aplica apenas aos seguranças do evento isolados em um canto, evitando abordar quem quer que seja.
Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite. A expectativa da Morte era a mesma da dos demais negacionistas da madrugada: ignorar a pandemia e se divertir um pouco.
Foi muito bem recebida com bebidas que piscam e pulseirinhas VIP que a permitiam circular livremente pelo evento, mas não conseguiu relaxar. Ser a atração principal de uma festa pandêmica trazia consigo grandes responsabilidades e o dever a chamava mais uma vez. Se arrependeu de não ter cobrado cachê. Pelo menos não voltou lisa para casa.
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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