A linguística, nascida no século 19 e amadurecida no 20, revolucionou o mapa do nosso entendimento sobre as línguas. Até então a cartografia do verbo tinha duas estradas principais, a normativista e a enciclopédica.
O normativismo é, como diria o Chico, “bedel e também juiz”. Dita regras de bom uso do idioma, pautadas num distante ideal fixado por escritores clássicos, e fica bravo se discordamos. É o que costuma cair em provas, muitas vezes na forma de ridículas pegadinhas.
O maior símbolo dessa visão que divide o mundo em certo e errado é aquele tijolo temido pelos estudantes do meu tempo, a gramática normativa.
Até hoje o normativismo pauta o senso comum. “Português é tão difícil! A língua está decadente! Será que pode escrever assim?”
O enciclopedismo é menos carrancudo. Como um colecionador de borboletas, espeta expressões —com destaque para as pitorescas— em compridos murais de cortiça que formam corredores a perder de vista.
Tem como símbolo um tijolo maior ainda, o dicionário, que hoje já quase ninguém tira da estante porque funciona melhor online.
A linguística abriu uma terceira via nesse mapa, rumo a amplas regiões inexploradas —a do olhar científico aplicado à língua.
Um linguista não está interessado em como a língua deveria ser nem na catalogação de palavras em sua quase infinita variedade.
O que deseja saber é como essa poderosa máquina de fazer sentido, moeda simbólica de toda sociedade humana, se estrutura e se manifesta.
Trata-se de uma ideia simples, indiscutível até. A língua existe na vida real, material, fora do âmbito de nossos desejos, e está condicionada apenas à história.
O que podemos fazer por ela vai muito além do beletrismo militante e da obsessão colecionista —tentar compreender como funciona. O afluxo de estudiosos para as estradas normativa e enciclopédica caiu muito desde então.
Por algum tempo, a descrição dos fascinantes mecanismos internos das línguas ocupou as melhores atenções dos linguistas. Mas essa autoestrada tinha muitas pistas, cada uma delas dando em novas ramificações.
Inaugurada nos anos 1960 e de presença ainda vigorosa nas faculdades de letras brasileiras, a sociolinguística se ocupa do que se passa não dentro da língua, mas na fronteira entre ela e a sociedade.
Aponta por exemplo um fato que, num país tão violentamente desigual como o Brasil, é luz nas trevas: que quem fala “nós vai” não o faz por ser menos capaz ou inteligente do que quem fala “nós vamos”.
Trata-se de duas gramáticas igualmente funcionais. A distinção de prestígio entre elas —devida a fatores socioeconômicos, exteriores à língua— é usada para reforçar e replicar mecanismos sociais de inclusão e exclusão.
O senso comum ainda torce o nariz para o peixe fresco que a linguística tenta lhe vender. Para a maioria dos falantes leigos, discorrer sobre a língua é uma completa perda de tempo, com duas exceções.
Há grande interesse em dicas para não errar, não contrariar as patrulhas normativas. E um razoável interesse em curiosidades e histórias divertidas —ainda que falsas— em torno das palavras.
Ou seja: após mais de um século de linguística na veia dos estudos sobre a língua, é para as velhas estradas normativa e enciclopédica que o grande público continua a afluir.
Que descompasso é esse? Serão os linguistas ruins de comunicação ou será que outros fatores entram na conta? Continuo na semana que vem.
Tem como símbolo um tijolo maior ainda, o dicionário, que hoje já quase ninguém tira da estante porque funciona melhor online.
A linguística abriu uma terceira via nesse mapa, rumo a amplas regiões inexploradas —a do olhar científico aplicado à língua.
Um linguista não está interessado em como a língua deveria ser nem na catalogação de palavras em sua quase infinita variedade.
O que deseja saber é como essa poderosa máquina de fazer sentido, moeda simbólica de toda sociedade humana, se estrutura e se manifesta.
Trata-se de uma ideia simples, indiscutível até. A língua existe na vida real, material, fora do âmbito de nossos desejos, e está condicionada apenas à história.
O que podemos fazer por ela vai muito além do beletrismo militante e da obsessão colecionista —tentar compreender como funciona. O afluxo de estudiosos para as estradas normativa e enciclopédica caiu muito desde então.
Por algum tempo, a descrição dos fascinantes mecanismos internos das línguas ocupou as melhores atenções dos linguistas. Mas essa autoestrada tinha muitas pistas, cada uma delas dando em novas ramificações.
Inaugurada nos anos 1960 e de presença ainda vigorosa nas faculdades de letras brasileiras, a sociolinguística se ocupa do que se passa não dentro da língua, mas na fronteira entre ela e a sociedade.
Aponta por exemplo um fato que, num país tão violentamente desigual como o Brasil, é luz nas trevas: que quem fala “nós vai” não o faz por ser menos capaz ou inteligente do que quem fala “nós vamos”.
Trata-se de duas gramáticas igualmente funcionais. A distinção de prestígio entre elas —devida a fatores socioeconômicos, exteriores à língua— é usada para reforçar e replicar mecanismos sociais de inclusão e exclusão.
O senso comum ainda torce o nariz para o peixe fresco que a linguística tenta lhe vender. Para a maioria dos falantes leigos, discorrer sobre a língua é uma completa perda de tempo, com duas exceções.
Há grande interesse em dicas para não errar, não contrariar as patrulhas normativas. E um razoável interesse em curiosidades e histórias divertidas —ainda que falsas— em torno das palavras.
Ou seja: após mais de um século de linguística na veia dos estudos sobre a língua, é para as velhas estradas normativa e enciclopédica que o grande público continua a afluir.
Que descompasso é esse? Serão os linguistas ruins de comunicação ou será que outros fatores entram na conta? Continuo na semana que vem.
Texto de Sergio Rodrigues, na Folha de São Paulo.
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