Há injustiças que uma pessoa não esquece. Eu devia ter uns 13 anos quando li a célebre reflexão de Santo Agostinho sobre o tempo: “Se ninguém me perguntar o que é, eu sei. Se me perguntarem, ignoro”.
Resolvi dar a mesma resposta, no exame de matemática, à questão: “Um trem percorreu 5/9 do caminho. Sabendo que a totalidade do percurso são 600 quilômetros, quantos quilômetros já percorreu o trem?”.
Nesse dia ficou claro para mim que, embora dizendo ambos a mesma coisa, Agostinho era considerado um santo sábio e eu um demônio ignorante. Portanto, jurei vingança. E prometi que não descansaria enquanto não encontrasse uma definição de tempo melhor do que a de Agostinho.
Eu sei o que o tempo é porque olho para ele todos os dias. Levanto-me, vejo-me no espelho e lá está o tempo, sob a forma de rugas e cabelos brancos. O tempo é uma doença que eu contraí vai fazer 47 anos em abril.
De acordo com o que tenho observado, o tempo não satisfaz ninguém. Quando somos novos queremos que o tempo passe; quando chegamos à meia idade desejamos que o tempo pare; quando
ficamos velhos gostaríamos que o tempo voltasse para trás.
As tentativas de parar o tempo costumam ser perda de tempo. Ainda assim, muita gente tenta. Por exemplo, em Hollywood. Todas as pessoas que tentam parar o tempo se parecem umas com as outras. Nicole Kidman ficou igual a Courteney Cox, que ficou igual a Val Kilmer, que ficou igual a uma boneca que a minha avó tinha na cama, sobre a colcha.
Para evitar que a gente veja o que o tempo lhes fez, ficam com uma cara que diz: “Viu o que o tempo me fez? Olha só como os meus olhos estão tão abertos. Como a pele do rosto fugiu para a nuca. Que ar absolutamente espantado que tenho sempre. Foi o tempo que fez isso. Em conluio com um cirurgião plástico”.
Todas essas estratégias são recentes. No meu tempo, não havia hipótese de fugir ao tempo. Aliás, essa é uma das dificuldades de definir o tempo: cada pessoa tem o seu. E no meu tempo o tempo era melhor.
Texto de Ricardo Araújo Pereira, na Folha de São Paulo.
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