Entendo a raiva do presidente ao ser questionado sobre as finanças da sua mulher. Também fico chateado quando me perguntam algo que eu não posso responder. “Por que seus olhos estão vermelhos?” Ou “você já deixa sua filha ver televisão?”. Se não queres ouvir uma mentira, não perguntes um segredo.
Mas pra isso serve a imaginação, e pra isso servimos nós, ficcionistas. Cabe a nós imaginarmos quais seriam os motivos possíveis pra um cheque tão generoso. Inúmeros são os motivos pra se fazer um depósito dessa quantia —muito embora tão pouca gente o tenha feito pra mim.
O primeiro que me ocorre é o ágio. O presidente já afirmou ter emprestado R$ 40 mil ao melhor amigo e ex-motorista. Os R$ 49 mil restantes correspondem, obviamente, aos juros —a Selic pode ter baixado, mas o spread continua alto— especialmente entre agiotas. O presidente mostra que trata todos como iguais: não é por se tratar de um amigo que há de se emprestar sem ágio. Alguém precisa pagar o leite condensado das crianças.
Queiroz, pelo contrário, tem duas filhas mulheres, provando que tem por hábito fraquejar. O pagamento corresponderia, obviamente, à pensão da varoa. Ninguém espera que o presidente pague pela fraquejada alheia.
Pode, também, se tratar de um golpe complexo, muito comum entre parlamentares, famosos pela ingenuidade. Acontece mais ou menos assim: a pessoa fica anos trabalhando como motorista do seu filho, consegue o número da conta da sua mulher e, quando você menos espera, bum! Deposita R$ 89 mil. Pronto. Daí você tem que se virar pra gastar esse dinheiro.
Chocolate. Quem já foi a uma loja da Kopenhagen sabe que a Nhá Benta está pela hora da morte. Pode ser que Queiroz tenha ido tomar um cafezinho com a patroa e, na hora de pagar a conta, tenha esquecido a carteira, a generosa patroa convidou, e os R$ 89 mil coincidem com o combo: expresso e Nhá Benta de maracujá. Isso justifica também os R$ 400 mil que ele depositou na conta do Flávio. Tenho a impressão que a soma corresponde a um pacote de Língua de Gato.
Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo.
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