Em 7 de setembro de 1963, quando “O Satânico Dr. No” aportou no Brasil, os rapazes da época não demoraram a notar que sua vida havia mudado —existia um novo modelo a invejar e copiar.
Elvis ficara para trás. O novo nome era Bond, James Bond.
Na verdade, Bond, o agente 007 a serviço de Sua Majestade era inimitável. Não lhe bastava ser forte, valente, ágil, bonito, seguríssimo de si. Ainda guiava os carros mais espantosos, tinha a seu dispor os gadgets mais modernos, enfrentava os inimigos mais cruéis sem perder a pose, nem a elegância. Junto com os Beatles e Mary Quant, trazia um sopro de modernidade ao Império Britânico, que àquela altura se desmontava. E 007 tinha nome —Sean Connery, que agora completa 90 anos.
Naquela altura dos acontecimentos era um ator pouco conhecido, e não é de espantar que Ian Fleming tivesse preferido Roger Moore para o papel. Mas Moore estava ocupado e Connery tomou o seu lugar. Fleming teria seu desejo satisfeito “post mortem”, já que após o seu sexto filme da série —“007 – Os Diamantes São Eternos”, de 1971,— o primeiro James Bond se encheu de ser confundido com
James Bond e pediu as contas.
Então entrou Roger Moore e 007 nunca mais foi o mesmo. Não que Moore fosse ruim. Só não tinha o carisma de Connery. Depois de Moore outros vieram. Bons atores, em geral. O último deles, Daniel Craig, até ajudou a ressuscitar a série. Mas como Sean
Connery não houve outro.
Não foi por falta de tentar que Connery não conseguiu se livrar da pele de Bond. Nem Hitchcock resolveu o problema. Em “Marnie, Confissões de uma Ladra”, ele fez o rico, chique e bonitão Mark Gabel, que se arrasta aos pés da ladra, com quem se casa para continuar sendo rejeitado. Na verdade, o filme não foi bem de bilheteria, e Hitchcock achava que Connery não parecia “um gentil-homem da Pensilvânia”, como ele gostaria.
Com efeito, sob a pele blasé do agente 007 havia um filho da classe operária escocesa, nascido em 25 de agosto de 1930 em Edimburgo, que teve uma penca de empregos até os 23 anos, quando ultrapassou a dúvida entre ser ator ou jogador de futebol. Ser ator foi a escolha certa, ele acha.
Não faltaram tentativas de ser marcante noutra pele que não a do agente secreto, entre outras no faroeste “Shalako”, de 1968, com Brigitte Bardot, ou ainda trabalhando com diretores de peso, como Martin Ritt, Sidney Lumet, John Boorman, Richard Lester, John Milius ou John Huston.
Duas coisas elas provaram —o nome Connery não bastava para garantir o sucesso dos filmes em que ele trabalhava e não é fácil se livrar da pele de James Bond.
Foi preciso voltar ao papel, em “007 - Nunca Mais Outra Vez”, de 1983, um Bond feito fora da série original, para enfim exorcizar o personagem, como se uma reconciliação fosse necessária para que o ator, o agente e o público tocassem a vida em frente.
Já cinquentão, Connery pôde esquecer o galã intrépido da juventude e, de certa forma, sublimar sua imagem. Podia ser o ator principal, como em “O Nome da Rosa”, de 1986, em que vive um cerebral frade, mas passou a brilhar sobretudo em papéis coadjuvantes.
O que seria de “Os Intocáveis”, de 1987, sem a presença de Jim Malone, o incorruptível guarda de rua que rouba a cena do suposto herói Elliott Ness? O que seria de “Indiana Jones e a Última Cruzada”, de 1989, não fosse Connery o pai de Indiana?
Provavelmente seriam bons filmes, mas não tão bons. Sean Connery melhorava os filmes em que fazia o segundo papel.
Aliás, “Os Intocáveis” rendeu a ele o Oscar de melhor ator coadjuvante. E depois dele uma penca de recompensas, entre elas a Legião de Honra do governo francês, em 1991, e, sobretudo, o título de sir, concedido pela rainha Elizabeth, a quem tanto serviu na juventude. Título que ele fez questão de receber na Escócia, vestido com o traje kilt. Que ficasse claro para a rainha que ele continuaria a apoiar o Partido Nacional Escocês, defensor da independência escocesa.
O mito de Sean Connery havia, enfim, triunfado sobre o mito de 007. Já podia, aos poucos, discretamente, se afastar do cinema para viver sua aposentadoria nas Bahamas.
Texto de Inácio Araújo, na Folha de São Paulo.
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