Coitado do lobo-guará, rei do cerrado, ameaçado de extinção. Com a ocupação humana, foi sendo empurrado para mais longe, onde a comida é menos abundante e a sobrevivência, mais precária. Um tipo de gentrificação, para usar uma figura urbana.
Diferentemente de outras espécies de lobo, o guará não vive em matilhas. É o próprio lobo solitário, como o personagem do mangá. Pouco agressivo, às vezes se aproxima dos povoados e assusta geral. Volta e meia pode atacar algum galinheiro ou animal doméstico, o que lhe vale tiros e pedradas. Os biólogos dizem que ele costuma levar a culpa por ataques de outros bichos. Quer dizer, não janta e ainda apanha.
O lobo-guará já tinha problemas o bastante até que o Banco Central resolveu estampá-lo na nova nota de R$ 200. Na eleição realizada em 2001, havia ficado em terceiro lugar entre espécimes da fauna que os brasileiros gostariam de ver no dindim.
Como costuma acontecer nos concursos públicos, demorou, mas enfim o bicho foi nomeado. O que poucos entenderam: por que lançar uma nota agora, em plena pandemia, justo quando o dinheiro anda mais extinto?
Segundo o BC, é porque as pessoas estão guardando o pouco que têm em casa, e porque os beneficiários do auxílio emergencial não retornaram o dinheiro ao sistema bancário na velocidade esperada. A providência vai obrigar que se troque as 200 pratas no mercadinho para comprar feijão, arroz e óleo de soja.
Já os bilionários brasileiros têm feito a parte deles e contribuído para a economia girar, tanto que aumentaram seus patrimônios em US$ 34 bilhões durante a pandemia. Como tudo indica que suas fortunas não correm o risco de ser taxadas, eles seguirão impávidos, colossos, cada vez mais ricos. Acumulando onças, peixes e lobos-guarás.
Não por acaso, nenhum dos nossos biliardários assinou a carta em que 83 milionários do mundo pediram a elevação dos impostos sobre os mais ricos para contribuir com a recuperação econômica pós-coronavírus.
Em carta publicada no site millionairesforhumanity.com, eles pedem que os governos assumam sua responsabilidade, aumentando os impostos de quem tem mais “de forma imediata, substancial e permanente”.
Enquanto isso, o Banco Central já pensa em lançar a nota de 500 mangos, essa com o 3 x 4 de um bicho que luta, todos os dias, para não ser extinto. O brasileiro.
Texto de Claudia Tajes, na Folha de São Paulo.
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