De todos os principais cineastas do chamado novo cinema alemão (estávamos nos anos 1970), o mais próximo da nouvelle vague era, de longe, Wim Wenders. Werner Herzog tinha uma ligação profunda com o romantismo, enquanto a ligação mais profunda de R. W. Fassbiner era com Douglas Sirk, que, embora sendo um produto da fina cultura da República de Weimar, filmou o essencial de sua obra na América.
Wenders, não. Como os jovens críticos franceses dos anos 1950, que se tornariam cineastas logo a seguir, desde cedo manifestou sua admiração pelo cinema americano e seus gêneros. Talvez se sentisse mesmo um pouco estrangeiro na Alemanha Ocidental, como se pode depreender de dois dos oito filmes que o streaming Belas Artes à la Carte começa a exibir, em homenagem aos 75 anos do cineasta. Porém de maneira bem mais sutil do que, digamos, Fassbinder.
Com efeito, o “Falso Movimento” de Wenders tem como princípio os eventos que se passam com um candidato a escritor que se desloca a Bonn por trem e nessa ocasião vai encontrando pessoas bem diferentes entre si. Os deslocamentos e o acaso marcam, igualmente, “Alice nas Cidades”, em que uma mulher confia a jovem Alice a um jornalista durante a espera de um voo. Ele fica com a menina, mas ao voltar ao aeroporto não encontra a mãe, devendo então se ocupar da menina.
Num caso como em outro (restaria ainda nessa linha “No Correr do Tempo”, talvez a obra-prima do cineasta na Alemanha, que não entra nesse pacote), o deslocamento, o se sentir (e ser) estranho aos lugares desempenha um papel central, em que a parceria com o escritor Peter Handke (para quem a ideia do ser estranho é marcante) tem bastante peso. A marca de Wenders nesse momento é a delicadeza com que trabalha o tema.
A atração pelos Estados Unidos e seu cinema o levam a buscar inspiração em 1977 num livro de Patricia Highsmith para “O Amigo Americano”, ainda uma produção europeia, no entanto. Ali, Tom Ripley, papel de Dennis Hopper, traficante de quadros falsos, sugere ao emoldurador Zimmerman, vivido por Bruno Ganz, um negócio diferente do habitual, isto é, um assassinato. O que se explica –isso renderia um bom dinheiro e Zimmerman sofre de uma doença mortal.
Entre o falso e o verdadeiro, Wenders contrabandeou para seu belíssimo filme uma penca de cineastas, desde os americanos Nicholas Ray (em papel importante) e Samuel Fuller, aos europeus Jean Eustache, Daniel Schmid, Gérard Blain, Peter Lilienthal.
Tamanha homenagem ao cinema (e à América) o acabou levando a Hollywood, onde conheceu talvez a maior decepção de sua vida, ao realizar um “Hammett” produzido por Francis Coppola. Isto é, embora fosse também um cineasta, Coppola interferiu aos montes no trabalho do alemão, que o sentiu desfigurado (embora seja um bom filme).
Partiu então para “Paris, Texas”, de 1984, desta vez apoiado na produção francesa de Anatole Dauman, mas sempre nos EUA. Reencontrou já adulta a mesma formidável Nastassia Kinski, a filha de Klaus Kinski que ele lançara aos 13 anos em “Falso Movimento”. Novamente o tema da errância se impõe, com Harry Dean Stanton atravessando um deserto a pé, entre outras. Desta vez o apoio principal foi o texto do americano Sam Shepard (também ótimo ator, mas não aqui).
O certo é que a experiência americana de Wenders pareceu a ele um tanto decepcionante. Talvez até muito decepcionante. Depois de “Paris, Texas”, foram poucos os momentos de brilho verdadeiro em seu trabalho (“Asas do Desejo”, de 1987, se destaca nessa época, bem mais que sua sequência, “Tão Longe, Tão Perto”, que ganhou Cannes e faz parte da série do À la Carte).
O principal de seu trabalho veio de documentários, não raro dedicados ao próprio cinema ou a cineastas, como “Tokyo-Ga”, de 1985, homenagem ao japonês Yasujiro Ozu, e “Buena Vista Social Club”, de 1999. Os dois fazem parte da série apresentada pelo Belas Artes, em que "Buena Vista” se destaca seja por revelar a música do conjunto de Ibrahim Ferrer, quanto pelo que mostra de Cuba, num momento em que ainda sofria enormemente com o fim da União Soviética, que apoiava Fidel Castro e seu regime, e o boicote do feroz inimigo, os EUA.
Entre altos e baixos, Wim Wenders chega aos 75 anos sem a mesma força que marcou os filmes de sua juventude, mas preservando intacta a mitologia que desde então carrega –a de não ser só um cineasta, mas um amigo do cinema. Ou, talvez, seja mais certo dizer o amigo por excelência do cinema.
Texto de Inácio Araújo, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário