terça-feira, 25 de agosto de 2020

Quem precisa de carboidratos?

 Já vou avisando: resolvi comprar briga com a população educada e os nutricionistas que engoliram a tal pirâmide nutricional empurrada literalmente goela abaixo dos consumidores pelo lobby das empresas fabricantes de cereais e dos cada vez mais variados “alimentos industrializados”. Essa parte da história eu deixo pra outras pessoas contarem, ou para os curiosos investigarem por conta própria. A parte que me cabe é a que tem a ver com seu cérebro.

A questão é que cientistas de várias especialidades se acostumaram a pensar na glicose como a principal fonte de energia do corpo e nos carboidratos como fonte de glicose. Quebrar os carboidratos do amido de farinha, batata, arroz e cereais em pedaços de glicose e queimar a glicose como fonte de energia vital são de fato triviais para o corpo.

Mas ingerir carboidratos é completamente desnecessário —e, segundo um estudo recente, contribui para a desestabilização progressiva do funcionamento do cérebro (já explico o que isso significa).

Ingerir carboidratos é desnecessário porque as células do corpo sabem fazer glicose quando preciso e construir carboidratos longos usando-a como bloco elementar. Mas há nove aminoácidos que o corpo humano não fabrica e ao menos dois tipos de gordura. Esses têm que vir da comida, donde uma dieta baseada em proteínas e gorduras, com só um pouquinho de carboidratos salpicados no topo — exatamente o inverso do que a indústria vem promovendo —é não só o que o corpo precisa como espera.

Consumindo primeiro proteínas e gorduras, toda glicose extra vira depósito de gordura, armazenada em pneus e placas pelo corpo.

Medir o consumo de glicose do cérebro é fácil e tem dominado os estudos na área, mas já se sabe que o cérebro usa perfeitamente bem as cetonas derivadas das proteínas e gorduras da dieta.

E muito além: segundo pesquisadores da Universidade Stony Brook, nos EUA, e da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a partir dos 40 anos diminui a capacidade do cérebro de se manter “concentrado” em um tipo de atividade enquanto “não faz nada”, sem alternar, por exemplo, entre privilegiar visão ou audição ou introspecção.

Mas isso é o que ocorre com a dieta “normal”, a da tal pirâmide alimentar baseada em carboidratos. Quando os voluntários do estudo mudaram para uma dieta cetogênica, ingerindo menos de 50 gramas de carboidratos por dia, sua atividade cerebral em repouso se tornou imediatamente mais estável.

Os pesquisadores declaram abertamente ter interesse financeiro em suas descobertas, pessoas inteligentes que são. Se alguém vai lucrar com isso (e alguém obviamente vai), por que não os próprios autores da pesquisa?


Texto de Suzana Herculano-Houzel, na Folha de São Paulo

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