Uma jovem cheia de sonhos e colágeno se prepara para ir à manifestação contra o aumento das passagens de ônibus.
Protege o rosto com um lenço embebido em um pouco de vinagre, para se proteger do gás lacrimogêneo. Munida de um cartaz com os dizeres “VEM PRA RUA”, está pronta para sair, quando é impedida por uma mulher usando uma máscara de proteção. Uma mulher idêntica a ela, com exceção dos sonhos e do colágeno.
“Não vai pra rua!”
“Quem é você?”
“Eu sou você do futuro. Preciso te avisar de algo muito, muito importante. Você precisa impedir o Movimento Passe Livre de fazer esse protesto hoje.”
“Por quê?”
“Eu não posso entrar em detalhes, mas por causa de 20 centavos não tá valendo a pena, vai por mim.”
“Não é só pelos 20 centavos, a gente quer mudar o Brasil.”
“É exatamente esse o problema. Vocês vão mudar o Brasil.”
“Sabia! Não vai ter Copa!”
“Vai ter Copa, sim. Vai ter Copa pra caralho.”
“Que pena. Um dinheiro que podia ser investido na saúde, na educação. Bom, tomara que a gente ganhe pelo menos.”
“Desculpa, também não posso falar sobre isso, me dá gatilho. Você, por favor, fala com o pessoal do DCE, liga pra Sininho, faz o que for preciso, mas cancela essa manifestação antes que seja tarde demais. Eu sei que a intenção é a melhor possível, mas a coisa vai tomar uma proporção maior do que você esperava, entende?”
“Pô, mas isso é ótimo.”
“Ótimo pra uma parcela da população… Digamos aí uns 30%. Pra você é péssimo.”
“O que pode dar tão errado? Eu vou ser presa?”
“Claro que não, você é branca. É uma história longa, mas vou tentar resumir. Se você for nessa manifestação, vai ajudar a instaurar um regime totalitário neopentecostal no Brasil.”
“Impossível. A gente tem uma democracia sólida.”
“Não é hora para fazer piadas. Escuta o conselho que eu vou te dar e desencana dessa história de vem pra rua. Aquieta o rabo em casa se você quer fazer alguma coisa por esse país. Adeus.”
“Calma, antes de você ir, só me explica uma coisa. Por que você tá de máscara?”
“Em sete anos você vai entender. O conselho vale pra isso também.”
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário