Tenho tido saudade de muita coisa e, ao escrever isso, já imagino meu amigo Eduardo Heck de Sá esbravejando: “Saudade é de direita!”.
Tudo que Eduardo não gosta ele diz, meio brincando e meio sério, que é de direita: luz fria, ultracorreção gramatical, porcelanato, protetor solar, adoçante, Julia Roberts, Nespresso, gente que reclama do calor. Uma vez reclamei de coentro e ele me fuzilou com o olhar: “Gregorio, não gostar de coentro é de direita”.
Sei que Eduardo vai me achar reacionário, mas tenho tido uma saudade danada de tudo quanto é coisa.
De sentar na padaria e encontrar as mesmas pessoas e ver seus filhos crescerem e mostrar que minha filha cresceu. E do Tiago da padaria, que me contava como andam os ensaios da Paraíso de Tuiuti, sua escola de coração.
Saudade do papo furado com o vizinho no elevador, do papo aleatório com o motorista do Uber, do papo bosta na fila do banco. Saudade de comentar as notícias com os vizinhos em pé, ao lado da banca de jornal, com quem quer que estivesse ali —a lateral da banca é o avô do Twitter.
Saudade de uma trombada, um encontrão, uma turra —essa palavra tão boa pro choque de duas testas.
Saudade de não ver a vida passando na frente dos meus olhos por ter levado a mão ao olho. Saudade de tomar um perdigoto na cara e isso ser apenas desagradável e não a crônica de uma morte anunciada. Saudade de nunca ter ouvido a palavra comorbidade —a mais feia da nossa língua.
Saudade de achar que qualquer velhinho de óculos escuros é o Rubem Fonseca e de ver o Moraes Moreira a caminho da padaria e de imaginar o que perguntaria se conhecesse o Aldir Blanc, de cumprimentar o Flavio Migliaccio como se ele me conhecesse, de inventar um pretexto pra escrever um email pro Sérgio Sant’Anna —e de deixar o email pronto, à espera do momento certo que nunca chegou.
Saudade de reclamar que o presidente era apenas inepto, inapto, estúpido e corrupto. Saudade de quando o presidente ainda não era, também, um genocida. Saudade de não gritar “assassino” pela janela à noite, saudade de ter voz à noite e de ir dormir sem pensar que o dia seguinte ia ser pior.
Saudade de um tempo em que o dia seguinte ainda podia ser melhor que o anterior. Saudade de imaginar a luz no fim do túnel. Saudade de quando viver ainda não era contar corpos.
Saudade de gostar de pensar no futuro. Saudade do amanhã de ontem. Já não se fazem mais futuros como antigamente.
Crônica de Gregorio Duvivier, na Folha de São Paulo.
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