Um Carnaval em junho, cuja empolgação aumentava a cada triunfo nos gramados. Pessoas de aparência estranha (os cabelos longos, com enormes costeletas os homens e franjas tipo cortina as mulheres, metidos dentro de calças boca de sino) saíam às ruas de carro (Opalas, Corcéis, Fuscas, todos coloridos) com o intuito deliberado de provocar engarrafamentos. Numa zorra, abraçavam-se, beijavam-se, sambavam, cantavam estribilhos bandalhos envolvendo a rainha da Inglaterra. Gritavam e buzinavam. Buzinavam demais.
Uma espécie de ancestral do janelaço —mas contra outro adversário, o regime militar. Há 50 anos, quando o Brasil ganhou a Copa do México, a ditadura operava o seu milagre.
O menino que eu era, com sete anos, não entendia aquilo direito. Tampouco por que meu pai, depois da vitória sobre a Itália na final, insistia em chamar o garçom do bar onde estávamos festejando, na Lagoa, de Clodoaldo. O cara nem de longe parecia o Clodoaldo. Mas a alegria mandava, e eu, nas peladas improvisadas após as partidas, já estava quase conseguindo imitar o Jairzinho dando chapéu no goleiro, matando no peito e fuzilando a rede. O Clodoaldo, que driblara quatro italianos na ginga de corpo, era muito mais difícil.
Sob o sol vertical do México, Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Fontana, Everaldo, Marco Antônio, Gérson, Rivelino, Paulo César, Tostão, Roberto, Edu, Pelé, além dos dois já citados —craques azeitados por Zagallo numa modernidade tática que até hoje surpreende.
Respeito quem viveu 1958 e põe o time campeão do mundo pela primeira vez na Suécia como o melhor do futebol brasileiro. Mas não entendo as viúvas de 1982, que endeusam o fracasso da equipe comandada por Telê, o teimoso. Palavra de criança: nunca houve nada igual à Copa de 70. E, como sabe o escritor Javier Marías, “o futebol é a recuperação semanal da infância”.
Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.
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