A Europa reabre. Espanhóis e italianos voltam a circular. Ingleses voltam a dirigir. Em comum, os países têm algumas coisas: o sol e o interesse no movimento econômico do verão, mas também a diminuição do número de casos.
Adotaram isolamento social efetivo e seus líderes comunicaram claramente a importância da população seguir essas medidas. Reduziram o número de pessoas que alguém com o coronavírus infecta para menos de 1 na média (o famoso R0). Com menos de uma pessoa infectada por outra, o número de casos entra em declínio e o surto local entra em controle.
Um controle bem tênue. Coreia do Sul, Singapura e China que o digam, enquanto afinam o balanço entre retomar a economia e conter o aumento de casos acompanhados na base de muito, muito teste.
Já o Brasil ensaia a reabertura como europeus fazem. Alguns certamente já se preparam para vestir calça social pela primeira vez em meses. Só estamos ignorando uma etapa, um detalhe, que calha de ser o principal: o controle da pandemia.
Claro, algumas cidades –alguns estados até– gozam de leitos de UTI vazios e poucos casos de Covid-19. Mas, ao contrário de países como Portugal, que na falta de leitos e de estrutura como seus vizinhos, faz uma das maiores quantidades de testes por habitantes da Europa, nós não fizemos a lição de casa. Mesmo testando miseravelmente pouco, não reduzimos o número de novos casos. O oposto. Nos tornamos o segundo país em casos e o primeiro em mortes por dia, em um regime ascendente.
Parecemos competir por um escândalo que chame mais atenção do que esses números. Enquanto isso, vamos escolhendo índices menos piores. Se considerarmos mortes por milhão de habitantes, ainda estamos bem abaixo dos países europeus. Como se só a perda de muito mais vidas justificasse ação.
A cidade do Rio resolveu parar de contar mortos com diagnóstico positivo para coronavírus após o óbito. O equivalente a colar uma fita preta cobrindo o alerta de avião caindo para ele não incomodar.
Já no Amazonas, o índice de controle da situação foi a queda do número de enterros. Sem testes para saber quem tem o coronavírus ou simplesmente quem morreu de Covid-19, usam o sinal de perda de controle como medida. O equivalente a usar a luz de alerta para iluminar a cabine e tentar enxergar um caminho.
Reabrimos como lá, enquanto cá os números só aumentam. Richard Feynman, físico nobelista marcante, conta em sua autobiografia sobre a ciência culto à carga, quando se segue um ritual sem mudar causas. O termo vem da simplificação de um fenômeno real. Quando nativos de ilhas ocupadas no Pacífico viram aviões pousando e desembarcando comida e manufaturados, começaram a construir pistas de pouso e até torres de controle de madeira e bambu, na esperança de atrair a carga vinda dos céus. Como nós fizemos por aqui, ao tratar de abertura sem queda consistente de casos diários. Repetimos gráficos, projetamos possíveis picos que só se manifestariam se estivéssemos restringindo mais as pessoas e não fazendo o oposto. Tomamos curas milagrosas que o mundo abandona, enquanto somos o novo polo mundial de Covid-19, antes de relaxar medidas. Que dirá depois.
Sem resolver o contágio, essa retomada é um voo de galinha até precisarmos fechar de vez pois hospitais colapsaram, funcionários ficaram doentes e perderam parentes, sem pensar que um fechamento nesse tipo de condição precisa ser mais sério e durar mais tempo. Até agora, a medida mais efetiva para reduzir o número de casos que o país tomou vem sendo fazer poucos testes. Que a próxima medida não seja sumir com os números de vez, para tentar trazer o avião do PIB.
Texto de Átila Iamarino, na Folha de São Paulo.
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