Cada país com a sua infâmia racista. O menino negro João Pedro foi morto pelas costas, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, por uma operação policial destrambelhada. Nos Estados Unidos, o segurança negro George Floyd foi asfixiado por um policial branco em cena filmada do começo ao fim. Uma das imagens mais degradantes deste século. O assassino está sendo processado por crime culposo (sem a intenção de matar). Ficar com o joelho sobre o pescoço de uma pessoa durante oito minutos e 46 segundos não é crime doloso, não se assume o risco de matar? O cara que faz isso é um monstro treinado para horrorizar.
Nos Estados Unidos, país do armamentismo total e dos constantes massacres por atiradores solitários, brancos andam muito mais armados do que negros. A morte de Floyd desencadeou uma reação violenta. No Brasil, o assassinato de João Pedro produziu notas de repúdio e tentativas de botar panos quentes. Parece que nosso racismo é mais eficaz por ser mais ardiloso. Brancos não vão às ruas por negros. Estes temem certamente a repressão. Afinal, são caçados diariamente e inflam as estatísticas de vítimas da violência policial. O tempo passa e pouco muda. O passado escravista brasileiro e norte-americano não desencarna.
No dia 14 de maio de 1888, segunda-feira, o Diário do Maranhão saudou a abolição e pediu todo o apoio possível aos proprietários de terras: “É fato consumado a extinção do elemento servil no Brasil, e já previsto depois que ao gabinete Cotegipe sucedeu o atual, organizado pelo conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, e agora confirmado pela aprovação, em ambas as câmaras, do projeto a elas apresentado pelo ministro da Agricultura. Está, portanto, estabelecida a imperiosa necessidade para todas as classes, e muito principalmente para a lavoura, de procurar novos elementos que se tornem eficazes na substituição do trabalho escravo pelo livre, que vai vigorar”.
O jornal dá o tom: “Em auxílio de todas essas classes, em auxílio da primeira indústria do país, cumpre ao governo vir, cumpre que a ela sejam dispensados todos os favores, toda proteção, para que chegue a aperfeiçoar-se por meio das reformas, que se tornam urgentes, e das quais é indispensável a criação de leis repressivas contra a vagabundagem e a ociosidade. Centenares de indivíduos sem ofício, e que terão horror ao trabalho, entregando-se por isso a toda a sorte de vícios, precisam ficar sob um rigoroso regime de vigilância policial”. Não se fala em indenizar os negros pelo trabalho prestado como escravos. Não há projetos de inclusão. A ideologia defendida rapidamente pelo jornal maranhense era só um eco do que pensava a “lavoura” nacional. Dali em diante os negros seriam caçados como “vagabundos”, “inimigos do trabalho”, “cheios de vícios”, perigosos.
Tudo tem uma origem. O preconceito tem uma história, uma construção, dispositivos de disseminação, métodos de afirmação e mecanismos de atualização. Busca se naturalizar, sugerir que sempre foi assim e assim será. Para exterminá-lo é preciso reflexão, desconstrução, atitude e educação. O racismo continua matando.
Texto de Juremir Machado da Silva.
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