Na juventude Monarco era rápido na hora de fazer uma segunda parte. Foi assim que, sem dar chance aos compositores mais experientes, tornou-se parceiro dos velhos bambas de Osvaldo Cruz, continuando a tradição e ao mesmo tempo modernizando o samba de terreiro na Portela.
Com Alcides Dias Lopes, o Malandro Histórico, fez "Amor de Malandro ("Você não foi meu primeiro amor/ Nem tampouco o segundo/ A sentir saudade nesse mundo"). Com Chico Santana, o Chico Traidor, "Lenço" ("Seguirei a ordem do meu coração/ Não me fale de amor/ Nem tampouco me peça perdão"). Com Oswaldo dos Santos, o Alvaiade, "Vida de Rainha" ("Felicidade/ É o que mais lhe desejo/ Muito embora não queira/ Mais saber do teu beijo"), sua primeira música gravada, pelo ritmista Risadinha.
Neles, Monarco definiu seu estilo à moda antiga, com o uso constante das tonalidades menores e, como notou Henriques Cazes no livro-perfil que escreveu sobre o artista, "sem empregar notas repetidas", desenhando "a melodia mais como instrumentista do que como um compositor intuitivo". Daí que suas ricas modulações sempre agradaram aos sambistas como também aos músicos de choro.
Quando Paulinho da Viola reuniu, em 1970, os veteranos da escola —além de Chico Traidor e Alvaiade, Manaceia, Aniceto, Caetano, Rufino, Mijinha, Alvarenga, Ventura —para o LP "Portela, Passado de Glória", Monarco era o caçula turma. É de sua autoria a faixa-título, uma homenagem ao pioneiro Paulo da Portela: "Em Osvaldo Cruz/ Bem perto de Madureira/ Todos só falavam/ Paulo Benjamin de Oliveira".
Mais do que um simples disco, a gravação de "Portela, Passado de Glória" plasmou um conceito, o das velhas guardas, depois adotado por outras escolas e que foi fundamental para a ideia de que é preciso olhar para trás e só então seguir adiante. Monarco, que aparece na contracapa, não canta no LP. Preso ao trabalho como peixeiro na praça Quinze, não conseguiu ir ao estúdio.
Sua voz abaritonada, metálica e dolente, que muita gente considera "a voz do samba", só começou a ser notada a partir do primeiro disco individual, gravado em 1976, que tinha Dino no violão de sete cordas, Abel Ferreira no clarinete e uma cozinha espetacular: Marçal, Gordinho, Neném. O caricaturista Lan —que o cantor e compositor conhecia dos tempos em que guardou carros no estacionamento do Jornal do Brasil— desenhou a capa.
Com a participação dos companheiros da Velha Guarda da Portela, o LP "Terreiro", de 1980, mereceu um título provocador numa matéria assinada pelo crítico José Ramos Tinhorão: "Quem não gostar de Monarco ou é surdo ou já morreu". Nesse disco surge seu lado de historiador e pesquisador do samba, revelando composições desconhecidas, como "Chuva", de Hortênsio Rocha.
O curioso é que Monarco, que nunca deu sorte como autor de samba-enredo, tirou de um deles seu maior sucesso. A melodia de "Coração em Desalinho" nasceu para a Unidos do Jacarezinho, mas a ideia não vingou até surgir a parceria com Ratinho, que fez uma surpreendente segunda parte sem rima e métrica não usual: "Tamanha desilusão/ Me deste, ó flor/ Me enganei redondamente/ Pensando em te fazer um bem/ Eu me apaixonei/ Foi meu mal".
Ratinho é o apelido do português Alcino Correia Ferreira, nascido na região do Alto Douro e que aos quatro anos veio morar em Pilares, subúrbio carioca. Além de "Coração em Desalinho", Zeca Pagodinho gravou mais de dez sambas da dupla, entre aos quais "Falsa Alegria", "Presença Incerta", o esplêndido "Nunca Vi Você Tão Triste Assim" e outro enorme sucesso, "Vai Vadiar" ("Eu quis te dar um grande amor/ Mas você não se acostumou").
Monarco era o último dos integrantes da Velha Guarda original ainda vivo. Morto no sábado (11), aos 88 anos, Hildemar Diniz, como muitos brasileiros pobres, enfrentou o trabalho infantil, o subemprego, a má alimentação e a doença, superou o vício da bebida e viu o crime de perto. Sempre encarou a derrota como se fosse o caminho da vitória, a exemplo do que fazem os componentes da escola do seu coração, a Portela.
Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.
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