Poderia ser uma terça como outra qualquer no escritório. E era. Até o momento em que a estagiária de mídias sociais se aproximou da mesa de Jamile, sua colega de trabalho.
"Você teria por acaso um absorvente aí com você? Acabei de ficar menstruada." Jamile reage como se a estagiária tivesse confessado um múltiplo homicídio. Ela tenta disfarçar, aos berros.
"Ah, você quer cocaína?! Poxa, hoje eu tô sem! Mas tenho um contato muito bom, papa fina mesmo, mais pura que a Sandy nos anos 1990!!!"
A estagiária fica extremamente constrangida. Jamile a leva para um canto, agora sussurrando. "Você enlouqueceu? Essas coisas não se falam no escritório. Cheio de homem aqui, se liga."
"Mas qual é o problema?"
"Você quer que os outros saibam que você está menstruada? Que tem sangue e tecido uterino saindo pela sua vagina? Que o seu endométrio está descamando nesse exato segundo?"
"Ué. Normal."
"Normal pra você. Normal pra mim. Normal para todo mundo que tem um útero. Agora o Cesinha do financeiro não está preparado psicologicamente pra isso. Quer causar uma pane no sistema do cara?"
"Que exagero. Bom, eu vou na farmácia e compro um…"
Jamile a interrompe, gritando mais uma vez. "Remédio para sarna humana?! Espero que a ivermectina não esteja em falta!"
"Não, gente, eu não estou com sarna, pelo amor de Deus."
Jamile volta a falar baixo: "Se você não quiser ir até a farmácia, tem outro jeito. Na mão da Marluce é mais barato".
"Ótimo, vou lá falar com ela."
"Calma lá, tem todo um protocolo. Você vai até a mesa da Marluce, vai imitar uma coruja. Mas tem que ser coruja buraqueira, o pio dela é mais agudo. Aí Marluce vai dar uma almofada de hemorróida. O item que você precisa está entocado no enchimento. Para distrair o pessoal, você encaixa a almofada no pescoço como se estivesse tendo um surto psicótico e grita EU SOU DEUS! Depois é só fazer um rolamento até o banheiro. Ninguém vai perceber."
"Prefiro não fazer isso."
"Okay. Vamos para o plano B. Deixa eu ligar para o ramal da Marluce. Alô? Marluce? Alerta vermelho. Repito. Alerta vermelho."
Em menos de um minuto, Marluce aparece da copa, de onde sai muita fumaça, gritando FOGO. Os funcionários se levantam para evacuar o prédio às pressas. No meio dessa confusão, Jamile estende um absorvente para a estagiária.
"De nada."
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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