Eu me apaixono muito pelos meus amigos homens, diz Gabriel na terapia. Sinto como se fosse uma paixão muito forte. Um ímpeto. Quando estou indo encontrar um amigo, me bate um entusiasmo difícil de explicar. No começo do mês abriram a fronteira e eu dirigi por dois dias para ver os meus amigos. Mil e setecentos quilômetros. Não os via fazia tempo, por causa da pandemia. Dois dias no volante, em estado de graça, atravessando campos cultivados, prados com vaquinhas ao fundo, ou com aqueles rolos de grama amarela, milharais, soja, lugarejos, garoa, sol, caminhões, árvores passando para trás, a toda velocidade. Eu ia feliz dirigindo sozinho em direção aos meus amigos, contente porque ia vê-los. Encontrar com Fabio, Cuco, Tiago, Nico. Meus amigos, com barba, cabelos brancos, calvos, com pança, meus amigos, velhos como eu, lindos. Eu amo os meus amigos e não tenho medo de dizer.
Ele faz uma pausa. Fica calado por um tempo. Depois diz: A experiência cotidiana tinha se tornado algo muito pequenino, puros olhos, coisas diante do meu nariz, a tela, o zoom. Quase dois anos com a vida acontecendo apenas na tela. Isso me fez mal. De repente pegar a estrada, atravessar os grandes espaços... Foi como ressuscitar. Dirigi tranquilo, porém rápido. O céu ia mudando. Nuvens dispersas no fundo azul e de repente uma tempestade que passou por cima de mim sem chuva e depois o entardecer gigante e rosado. O carro respondia bem. Chorei de felicidade dirigindo. Eu ia ver os meus amigos.
Quando cheguei, os abraços. As risadas. Nos encontramos na casa do Tiago. Ficamos todos para dormir lá. Eu dormi com ele na cama grande. Não aconteceu nada, diz Gabriel, esclarecendo, um pouco desconfortável. Quando estávamos dormindo, o Tiago pôs a mão no meu ombro e disse "Que bom que você veio, amigo", e eu repliquei "Não toque em mim na cama, que me dá uma coisa", e nos borramos de tanto rir. Eu o escutei roncar, como nos verões da infância (o filho da puta já roncava aos onze anos). Eu o escutei roncar e dormi mal, mas estava ao lado do meu amigo outra vez, então não dei importância para isso. Não tenho vontade de acariciar os meus amigos, ele esclarece, nem de que eles me acariciem, não sei, de um jeito tipo... Digo, não quero... Não é... Não quero trocar fluídos com eles, ele diz rindo. Mas eu gostaria de passar a mão pelo cabelo deles, por exemplo, apertar sua nuca. Como se faz com um filho. Eu agarro eles, sim, aperto-os contra mim, ombro com ombro, mas gostaria de abraçá-los mais.
Nós assistimos a "Get Back", o documentário dos Beatles. Tiago pôs no projetor e dava para vê-los ali, gigantes. Os Beatles jovens. Paul brilhante, barbudo. Era como estar com eles, como se fôssemos os convidados de um ensaio longo. A forma como Paul e John se olhavam cantando e se entendiam com meio sorriso. Caras adultos brincando. Que maravilha, embora se sentisse se aproximar a ruptura da banda, ali ainda estavam os quatro, tocando. Nós também improvisamos um pouco. Tiramos as teias de aranha de umas canções velhas que nunca chegamos a gravar. Nos divertimos. E entramos na piscina. Concurso de bomba, de barrigada. Vinho com água com gás e gelo. Acho que estive no paraíso por dois dias inteiros. Não apenas com os meus amigos, mas também com os Beatles, de quem parecíamos todos amigos. Ali, projetados na parede do Tiago, eles às vezes tinham o mesmo tamanho que o nosso, ou ficavam maiores, feito deuses.
Eu gosto dos homens, ele diz por fim. Gosto dos caras. Vou começar a falar isso, sem me sentir obrigado a esclarecer nada. Nunca beijei um homem. Não tenho fantasias. Muito poucas. Teria que ser um nadador olímpico, assim, meio sem pelos, para que me desse vontade de tocar. Os meus amigos são muito peludos e estão velhos como eu. Mas que lindos são.
Texto de Pedro Mairal, na Folha de São Paulo.
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