Um velho amigo deu de presente para a namorada o meu livro "A Invenção de uma Bela Velhice".
"Ela amou o livro. Ela te adora, é sua fã, lê tudo o que você escreve, te segue no Instagram. Ela chora e dá risadas com seus textos. Assinou a Folha só para ler suas colunas. Deve ser gostoso ser amada por tantas pessoas que nem te conhecem. Você fica feliz de ser tão amada por alguém que nunca te viu?"
Respondi: "Sabe que nunca havia pensado nisso? É estranho: sofro com aqueles que me ignoram ou não gostam dos meus textos, mas nunca imaginei que alguém pudesse me amar só pelos textos que eu escrevo".
Ele perguntou de supetão: "Qual o texto que você mais ama?"
Respondi sem titubear: "Ostra Feliz não faz Pérola".
Como ele não conhecia a crônica mais bela e sensível que eu li em toda minha vida, contei que Rubem Alves escreveu que, em uma colônia de ostras felizes, existia uma única exceção: uma ostra triste e solitária.
"As ostras felizes riam dela e diziam: ‘Ela não sai da sua depressão...’ Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro de sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor."
A dor era tamanha que a ostra triste precisou se proteger: ela produziu uma substância brilhante e envolveu o grão de areia que a machucava. Um dia um pescador lançou a rede e pescou toda a colônia de ostras. Quando estava saboreando a deliciosa sopa de ostras que sua mulher preparou, seus dentes bateram no objeto duro que estava dentro da ostra triste. Era uma linda pérola!
Rubem Alves escreveu muitos livros e crônicas adoráveis.
"É o jeito que eu tenho de brincar. Livros são brinquedos para o pensamento. De todos os que escrevi, acho que o que eu mais amo é 'A Menina e o Pássaro Encantado'. Escrevi para transformar uma dor em beleza."
Moral da história: somos potencialmente capazes de transformar o sofrimento em beleza, a dor em amor, a tragédia em transformação.
"Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos... A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável... São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas."
Já contei aqui que também é do meu cronista favorito outro pensamento que eu adoro: "Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito".
"Amamos quem nos escuta em silêncio, sem dar conselhos, sem dizer: ‘Se eu fosse você…’. Não há amor que resista ao falatório... Não é possível amar uma pessoa que não sabe ouvir. Os falantes que julgam que por sua fala bonita serão amados são uns tolos. Estão condenados à solidão. Quem só fala e não sabe ouvir é um chato... Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular."
Sinto uma imensa frustração, impotência e angústia por achar que nunca irei conseguir escrever algo tão belo, sensível e profundo. Todos os que escrevem para suportar o sofrimento inevitável devem sentir a mesma angústia existencial: o desejo de ser relevante e de escrever com beleza e profundidade; de emocionar e de fazer rir e chorar; de impactar e transformar as vidas dos seus leitores e leitoras.
É o que eu chamo de angústia de relevância: o sonho de escrever com beleza e de ser amada por aquilo que escrevo com sangue, suor e lágrimas.
Quando escrevi a coluna "Tristeza não é Doença", recebi inúmeros conselhos de como curar a minha dor. Depois de décadas de análise e de mergulho nos livros, minha forma de lidar com a tristeza infindável tem sido ler e escrever obsessivamente e procurar "escrever bonito".
Pensando sobre os livros e crônicas que eu mais amo, senti vontade de abraçar Rubem Alves e todos os escritores e escritoras que estão me ensinando a transformar a minha tristeza em beleza. Lembrei-me então do título de um livro inesquecível: "Nunca te vi. Sempre te amei".
Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo.
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