Há um ano coloquei minha filha para dormir comigo, por causa de uma febre, e nunca mais ela voltou para o seu quarto. Tentei de todas as formas possíveis (mentira) explicar que seria muito melhor que ela dormisse sozinha, mas depois da centésima (terceira) noite frustrada, simplesmente fui vencida pelo enorme desejo que ela (eu) tem de dormir agarrada a mim (a ela).
Meu analista diz que isso está muito errado. Ele explicou um montão de coisas que eu já não lembro mais (lembro direitinho). Tinha algo sobre meu corpo, meu desejo, meu espaço para ser mulher. Tinha algo sobre o desenvolvimento da subjetividade dela, sobre a importância dos nãos, dos interditos. Ele está corretíssimo (odeio esse desgraçado, queria trocar de terapeuta).
Mas acontece que no meio da noite os pezinhos dela, por mais frio que faça em São Paulo, ficam suadinhos. Daí ela, ainda dormindo, só resmunga, “tira, quente”, e eu já estou ali pertinho e arranco suas meias (eu estudo Freud, eu faço terapia há 15 anos, talvez ela esteja me pedindo que eu me retire). O quarto então é invadido por um chulezinho de neném que, se não for o cheiro mais perfeito que já existiu na história, certamente empata com chá de erva cidreira ou canela saída do forno.
A verdade é que é uma delícia dormir com nossos filhos (durmo encolhida, levo chutes na cara, fico com dores) e o bafinho dela ao acordar me faz ter vontade de viver sem precisar estar apaixonada (ou medicada ou desafiada por um novo trabalho ou preocupada porque minha família e amigos são quase sempre mais deprimidos então não me dou esse direito). Ela sorri bem largo todas as manhãs, diz “mamãe” de uma maneira muito doce e faz um carinho no meu rosto. Está feliz por ter dormido ali, e eu pergunto o que quer de café da manhã. Ela responde baixinho, já sabendo da nossa piada interna, “primeiro um chamego”, e então eu beijo tanto essa criança que ela tem um ataque de riso e implora, adorando, “agora chega, sua doida!”.
Um grande amigo winnicottiano (quero romper com ele, cheio de pitacos) me deu uma bronca enorme. Disse que a cama da minha filha, e a falta que eu preciso lhe fazer na hora de dormir, são “espaços” em que ela poderia desenvolver sua criatividade, segurança e liberdade. A maravilhosa (não gosto dela) terapeuta infantil que entrou em nossas vidas para tentar resolver o problema da minha filha de não conseguir dormir longe de mim (e agora está tentando resolver o meu problema de não conseguir dormir longe da minha filha) explicou que parte das birras demonstradas durante o dia é de afetos atrapalhados, como se eu a estivesse estimulando demais e ela não soubesse onde colocar essa libido. Achei essa sacada perfeita (que mulher sem noção dos infernos, nunca mais voltei lá).
Gente, eu só estou segurando a mãozinha de uma menininha de três anos que diz ter medo do monstro (eu tô ligada, eu li Freud, eu sei quem é o monstro, eu sei que também tenho medo, eu sei que o pai precisa cortar essa palhaçada —mas se cortar eu capo ele), eu só estou obliterada por esse amor, aproveitando cada segundo dessa fase bebê (eu tô ligada que ela não é mais bebê, eu sei que tratá-la como bebê vai cagar tudo), será que é preciso mesmo pensar em afetos, traumas, libido, sexo, quando a cena é apenas uma mãe extasiada pelo cheirinho do pescoço suado da filha? (É preciso, eu sei, eu li, eu faço terapia há 15 anos).
Enfim, psicanalistas, vocês todos exageram demais (mentira). Está tudo bem comigo (mentira). Eu vou resolver isso hoje mesmo (mentira). Vai dar certo (mentira). Conchinha com filho é um dos motivos pelos quais a gente nasce.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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