quarta-feira, 22 de abril de 2020

A cura pro corona pode estar no gado ou no jumento

varíola matou mais gente do que todas as guerras juntas e a peste e as gripezinhas e o Gêngis Khan e os drones, o Pogobol e as balas Soft. Durante 20 séculos convivemos com esse mal, e parecia que ia durar pra sempre, como o Delfim Netto e o Sarney.

Se você contraísse varíola (e todo o mundo contraía), já podia ver os coveiros engravatados do meme: tinha um quarto de chance de morrer uma morte horrível. Caso tivesse a sorte de sobreviver, estaria imune pra sempre —mas com crateras fundas na pele, mais esburacada do que uma estrada fluminense.
Quase todos tinham a pele avariada, porque a varíola não perdoava ninguém. Ou quase ninguém. As leiteiras se destacavam pela cútis límpida de quem nunca havia visto uma pústula.
Benjamin Jesty, um pequeno fazendeiro do século 18, já tinha reparado que leiteira não pega varíola nem que a vaca tussa. Ou melhor: não pegavam varíola humana. A variante bovina, mais branda, dava feridas na teta da vaca e pequenas bolhas nas mãos da leiteira. O camponês então teceu uma hipótese: será que as leiteiras estavam imunes à varíola humana por já terem contraído a varíola bovina?
Feita a hipótese, raspou a teta de uma vaca avariada e usou uma agulha de cerzir infectada pra arranhar o braço da mulher e dos filhos. Deu certo: o vilarejo foi varrido pela epidemia, mas sua família estava imune, pra sempre, à maior assassina da história. Ali nascia a vacina, que tem esse nome por causa da dona das divinas tetas: vacinar, no início, era te tornar um pouco vaca. (Essa história e muitas das outras estão contadas no maravilhoso livro “Dez Drogas”, de Thomas Hager, que saiu há pouco pela Todavia).
Por que falo de gado? Bolsonaro insiste em tossir sobre o rebanho. Talvez o gado pense estar imune por mamar na teta do jumento. Ainda não perceberam que jumento não tem teta e devem estar mamando outra coisa. Talvez o jumento, por sua vez, pense que o quadrúpede imunizou-se de tanta avacalhação.
Tem certa lógica: todos ao seu redor pegaram a doença, menos ele.
Talvez o presidente tenha dado uma pista à comunidade científica. Vale investigar se não há alguma bactéria imunizante nos testículos de Trump, ou nas laranjas do Álvaro Antonio, ou no açaí da Wal, no interfone da casa 58, nos cheques do Queiroz, nos contratos da Secom e em todas as coisas pelas quais passou sua boquinha.
(Ou talvez tenha pegado a doença, e só esteja mentindo.)

Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo

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