Acordou exausta. Recém-chegada de viagem, culpou o jet lag, mas não podia se dar ao luxo de ficar rolando na cama. Jamais perderia o casamento de sua afilhada.
Estava preocupada, com medo de não caber no vestido, tamanho o consumo de carboidratos ao longo da suas férias. Não entendia como os italianos conseguiam ser tão magros.
Conseguiu entrar na roupa, mas sentia dificuldade de respirar. A festa, um evento para quase 500 convidados, foi impecável. Bebeu o suficiente para se convencer de que contagiou a pista de dança com seus movimentos ousados. Não estava de todo errada.
No dia seguinte, pediu à empregada que trocasse os lençóis encharcados de suor, e ligou para seu médico, só por precaução. O provável diagnóstico lhe caiu muito bem. Sua cabeça não estava pesada por causa da ressaca, e sim porque carregava o tal vírus da coroa.
Reencontrou os convidados do casamento na recepção do Copa Star, mas não havia nada de positivo naquela situação, a não ser o resultado dos testes. Ela não demorou a ser apontada como um vetor da doença. “Em que mundo você vive?”, perguntavam, indignados. Achou que fosse morrer. De vergonha.
Remoeu cada abraço, cada trago que filou do cigarro alheio, o momento em que ofereceu seu batom para aquela amiga que fez no banheiro, ou quando enxugou as lágrimas de felicidade da noiva.
Lembranças que agora tinham um gosto amargo, ainda que ela tivesse perdido momentaneamente o paladar.
Mas o pior ainda estava por vir. Sua rotina, assim como a de todas as pessoas do planeta, mudaria radicalmente nas próximas semanas.
Estocou papel higiênico pelos próximos cinco anos sem saber exatamente o porquê, como todo mundo. Teve que se isolar em sua casa de praia, como todo mundo. E, já que infectou sua empregada, precisou assumir as tarefas domésticas, como todo mundo.
Também teve sua fonte de renda prejudicada pela pandemia. Sócia de uma rede de hotéis, autorizou a demissão de centenas de funcionários para não sair no prejuízo.
No mundo onde ela vive, o problema mais grave não é o vírus, e sim seus hospedeiros.
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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