Lá vai o Moraes descendo a ladeira, quase todo dia, em direção à padaria Gávea Shop, cujo nome acabo de descobrir no Google, porque para mim sempre foi a padaria do Moraes Moreira. Meu pai me escrevia “te pego às 17h na Moraes Moreira” —e estava entendido: era a padaria. “Gávea Shop” —que decepção de nome. Tinham que batizar de Moraes Moreira, Pães e Sonhos - Panificadora Ilimitada. Assim vou lhe chamar, assim você vai ser.
Aprendi a tocar violão para tocar as músicas do Moraes Moreira e tocar que nem o Moraes Moreira. Nunca consegui. Faltava jeito, ou faltava braço. Moraes abraçava o violão, nas suas mãos parecia um cavaquinho. Tinham que mudar o nome do violão para Moraes Moreira. Assim vou lhe chamar, assim você vai ser.
Acho que gosto de Carnaval por causa do Moraes Moreira. “Pra libertar meu coração eu quero muito mais que o som da marcha lenta.” (Acho que essa é a minha música preferida de todos os tempos.) “Eu quero um novo balancê, o bloco do prazer que a multidão comenta.” Tinham que mudar o nome do Carnaval para
Moraes Moreira. Assim vou lhe chamar, assim você vai ser.
Moraes Moreira. Assim vou lhe chamar, assim você vai ser.
E da festa junina também. “Fagulhas, pontas de agulha, brilham estrelas de São João”, diz a parceria com Abel Silva. E o refrão mais bonito do mundo —“nas trincheiras da alegria o que explodia era o amor”. Toda música do Moraes era uma festa. “Chame, chame gente que a gente se completa enchendo de alegria a praça e o poeta.” Que triste logo o Moraes partir sem festa. Tinham que mudar a palavra festa para Moraes Moreira. Quando tudo isso acabar vai ter um Moraes Moreira que eu vou dançar até o sapato pedir para parar.
Quando Bolsonaro ganhou, tudo parecia ter mudado para sempre. E naquela segunda-feira desolada vi o Moraes Moreira descendo a ladeira, impávido, idêntico, irascível a caminho da padaria. Ufa. Ainda existe um país pelo qual se vale a pena lutar. Tinham que mudar o nome desse país para Moraes Moreira.
A padaria fechou —parece que para sempre, segundo o Google. Moraes Moreira morreu. Alguma coisa mudou. Para sempre.
Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo.
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