Meus filhos são os primeiros integrantes da geração coronialls, ou quarentenials, ou pandemials. Isso porque eles nasceram há dois dias, no meio da pandemia do coronavírus.
Quando descobri que estava grávida, planejei um parto normal, com luz baixa, música suave e, é claro, uma doula, mesmo sem saber o que era uma doula. Mas, como falam, maternidade é fazer um monte de planos para, em seguida, ver todos eles darem errado.
As mudanças de planos vieram logo no primeiro ultrassom. Gêmeos. Mas não imaginava que o susto da gravidez dupla seria banal perto de uma nova epidemia que surgia na China e matava milhares.
O tal coronavírus viajou rapidamente para a Europa, os Estados Unidos e veio pegar buquê em casamento de blogueira na Bahia. De repente, todo o planeta estava no meio de um filme apocalíptico, e eu, grávida de nove meses.
Até que o loft gourmet, apelido que dei para a minha barriga, ficou muito apertado e os dois moradores precisaram ser despejados na marra. O plano parto normal migrou para “parto desesperado”.
Na maternidade, foi proibida a entrada de qualquer pessoa que não fossem a mãe e um acompanhante. Vetariam até a mãe, se ela não carregasse o bebê dentro dela. A família ficou de fora, com o coração partido.
Na sala de cirurgia, as luzes estavam acesas e tocava rádio Jovem Pan. Achei indelicado pedir para trocarem para minha playlist “Parindo Zen”. Dava para sentir a tensão da equipe pelas conversas paralelas. “Acabou álcool em gel em tal hospital.” “Na maternidade tal já não tem máscaras.”
Antes do parto, tocava alguma música horrível do DJ David Guetta, quando ouvi a canção “The Rhythm of The Night”, daquela banda chamada, juro, CORONA. Explodi. “Vocês estão de sacanagem! Tocar Corona no meu parto só pode ser piada!” Eles não entenderam, mas mudaram de emissora. Meus bebês nasceram saudáveis, ao som dos clássicos da Alpha FM.
Agora estamos em casa, por nossa conta, eu e meu marido. Tentando entender como funcionam esses dois novos serezinhos que trouxemos, sem manual de instruções, sem rede de apoio.
Já dei chupeta, mamadeira, até liguei o aspirador de pó para eles dormirem. Nada disso foi o planejado.
Decidi que o melhor é não ter planos. A melhor maternidade para meus filhos é a possível. A minha veio bem no meio da pandemia.
Texto de Flávia Boggio, na Folha de São Paulo.
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