O britânico John Conway foi um dos matemáticos mais originais e carismáticos dos nossos tempos. Fez trabalhos notáveis de pesquisa em diferentes áreas da matemática, especialmente sobre grupos finitos, nós, códigos e jogos combinatórios, e foi um grande divulgador científico.
Eu conhecia o nome dos livros, mas encontrei o personagem no início de 1994, em minha primeira visita à Universidade de Princeton. Não sei se chegamos a nos falar, mas lembro bem dele em seu gabinete: sempre de porta aberta, repleto de objetos matemáticos nas mesas, nas paredes, pendendo do teto.
Voltei a ver Conway no meio daquele ano em Zurique, no Congresso Internacional de Matemáticos de 1994, onde ele deu uma das palestras plenárias. Subiu ao palco com uma caneta, riscou o título da palestra na transparência, e disse algo sobre mudar um pouco o tema.
O que se seguiu foi uma das apresentações mais cativantes a que eu já assisti. Que uma plenária do Congresso tivesse sido gasta com “mera” divulgação da matemática escandalizou alguns matemáticos sêniores, mas a maioria adorou.
Dez anos depois, estávamos os dois em Lisboa para dar os cursos no evento “Novos Talentos em Matemática”, organizado anualmente pela Fundação Calouste Gulbenkian. Num jantar, comentei com Conway como tinha apreciado a palestra em Zurique e a ousadia de mudar o tema na hora. Não contava com a resposta: “Meses antes do Congresso, tentei cometer suicídio. Estava saindo da recuperação e achei que seria bom ir, mas não tinha saco para falar do outro tópico. Ajustei o título e falei de algo completamente diferente”.
Para mudar o rumo da conversa, comentei como o trabalho dele extrapolara as paredes da academia, particularmente a sua invenção do Jogo da Vida, que deu origem a inúmeros artigos e programas de computador. É ideal para ser jogado (a sós) no computador, mas no início brincávamos numa folha de papel mesmo. Divulgado por Martin Gardner na revista Scientific American em 1970, fez de Conway uma celebridade, mais do que ele gostaria. Escreverei sobre esse jogo na semana que vem.
Fiz um bom trabalho em Lisboa e os alunos acompanhavam o meu curso com interesse. Mas não tinha como competir com Conway, que deu cinco maravilhosas aulas sobre simetria e o Teorema Mágico, outro tema para cuja popularização ele contribuiu muito, com seu talento invulgar de divulgador. Anos depois tentei trazê-lo ao Brasil para as Jornadas Nacionais de Iniciação Científica do Impa, mas a agenda dele não permitiu.
Conversei com Conway uma última vez um par de anos atrás, no “common room” do departamento de matemática da Universidade de Princeton. Já estava aposentado, mas ainda ia lá regularmente. Morreu neste sábado (11), aos 82 anos, vítima da Covid-19.
Texto de Marcelo Viana, na Folha de São Paulo.
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