Não se sabe a que ponto Jean-Luc Godard se deixou abalar pela morte, recente, de Jean-Paul Belmondo. Os dois surgiram juntos em "Acossado" (1960), filme que mudou suas vidas e, talvez, o cinema. Em fevereiro último, já morrera outro nome decisivo para a aura de "Acossado": o fotógrafo de divulgação Raymond Cauchetier. Foi o autor das imagens que todos ligamos ao filme e, só agora notamos, não estão na tela. Uma delas é o beijo de Jean Seberg no rosto de Belmondo. No filme, é um beijo que mal vemos, filmado à distância, do outro lado da rua. Na foto posada de Cauchetier, é uma cena para a eternidade.
A maioria dos colegas de Godard na Nouvelle Vague morreu: François Truffaut, em 1984; Georges Franju, em 87; Jacques Démy, em 90; Louis Malle, em 95; Claude Chabrol e Éric Rohmer, em 2010; Chris Marker, em 12; Alain Resnais, em 14; Jacques Rivette e Alexandre Astruc, em 16; Agnès Varda, em 19. Para não falar de pessoas tão importantes em sua vida: Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, em 1977; o produtor Georges de Beauregard, que o inventou como cineasta, em 84; seu fotógrafo Raoul Coutard, em 2016; Michel Légrand, em 19. E a fundamental, decisiva Jean Seberg, em 1979.
Entre suas mulheres e atrizes, Anne Wiazemsky, em 2017, e Anna Karina, em 19. Todos os críticos da revista Cahiers du Cinéma que ajudaram a construir o seu mito, assim como os dois brasileiros que mais o admiraram: Mauricio Gomes Leite, em 1993, e José Lino Grünewald, em 2000. O Cahiers também morreu várias vezes. E quem conhece Paul Gégauff, dândi e sedutor, em quem Godard baseou o Michel Poiccard de Belmondo em "Acossado"? Morreu em 1983, esfaqueado pela mulher.
Uma geração inteira se foi e Godard, aos 91, continua firme e filmando. O mundo já não lhe dá tanta atenção.
Mas Godard também nunca ligou para o mundo. Todas as causas que abraçou foram, no fundo, um abraço no cinema.
Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
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