Uma mulher é parada em uma blitz por um policial.
“Boa noite. Algum problema?”
“Só fiscalização de rotina. Habilitação e documento do carro, por gentileza.”
“Eu não sou obrigada.”
“Na verdade, é sim. De acordo com o artigo 238, se recusar a entregar à autoridade de trânsito os documentos de habilitação, de registro e de licenciamento de veículo é considerado uma infração gravíssima.”
“Okay, mas de acordo com os princípios básicos do feminismo, enquanto mulher não preciso me submeter às ordens de um homem.”
“Eu não posso liberar a senhora sem conferir os documentos.”
“Então é você quem decide se eu sou uma mulher livre ou não? Em que século você vive?”
“A senhora não me dá alternativa a não ser inspecionar o seu veículo. Pode abrir o porta-malas.”
“Vocês homens simplesmente não entendem o significado da palavra não. Impressionante.”
“Meu Deus. Tem um corpo aqui dentro.”
“E daí? Meu corpo, minhas regras.”
“A senhora está presa em flagrante e tem o direito de ficar calada.”
“É aí que você se engana. Mesmo soFRIDA, jamais me KAHLO.”
Peço desculpas ao leitor e principalmente às leitoras desta coluna, pois nesse ponto da história fui impedida de terminar a crônica, ao ser interceptada por uma blitz feminista. As autoridades já chegaram com o pé na porta.
“Mãos longe do teclado e documento, por favor. A mana acaba de ser pega em flagrante prestando um desserviço ao movimento. Representar uma personagem se aproveitando do discurso feminista em benefício próprio é um delito considerado grave, sob pena de apreensão da carteirinha de feminista e cancelamento perpétuo pelo tribunal do Twitter.”
“Não foi minha intenção, eu juro. Só queria explorar um recurso humorístico chamado inversão. É só uma piada. Será que isso não é excesso de patrulha?”
“O Danilo Gentili usa essa desculpa o tempo todo.”
“Olha, pode até me prender, me cancelar, mas não precisa esculachar também.”
“Não testa os limites da minha sororidade, mana, apaga logo isso ou a coisa vai ficar feia para você.”
“Tá bom. A piada do ‘meu corpo, minhas regras’ foi um pouco forçada mesmo.”
“Eu ri. Mas não conta para ninguém, pelo amor da Deusa.”
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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