A Conferência do Clima em Glasgow, que começa na próxima segunda-feira, se dará sob o signo da extinção e da divisão. Da extinção de milhões de indivíduos, sejam eles animais, vegetais ou humanos.
E da divisão entre países ricos e pobres, classes dominantes e dominadas, povos cosmopolitas e autóctones, globalização e soberania. Apesar do consenso teórico de que a Terra corre perigo, a ecologia divide.
Ter consciência de uma catástrofe não a atenua. Sabe-se que 82% da riqueza mundial fica com 1% da população. E o que se faz contra isso? Nada. Não, nem isso é verdade.
A verdade é que se acelerou a concentração da renda nas mãos dos Zuckerberg, dos Gates, dos Bezos —e dos Esteves, dos Safra, das Magalu, dos Moreira Salles, dos JBS. Eles ficaram 15% mais ricos nos últimos dois anos. Num único dia, Elon Musk acrescentou US$ 36,2 bilhões à sua fortuna.
Os nababões são ambientalistas. Suas empresas fazem marketing ecológico e, queimando CO2 a bordo de jatinhos, eles se dizem horrorizados com o aquecimento do planeta, abraçam árvores, se enternecem com micos-leões dourados, tão fofos.
Eles não são apenas hipócritas. Primeiro porque a catástrofe climática permeia o ar do tempo, e quem não a reconhece está sujeito a boicotes.
A segunda razão está no recém-publicado "Abundância e Liberdade", do filósofo Pierre Charbonnier (Boitempo, 367 págs.). O livro analisa as relações entre as sociedades e a natureza, começando com
Locke e vindo até Marcuse.
Na mira da sua crítica está a ideologia do progresso, que não vê barreiras para a exploração da natureza. Para derrubá-las, seria preciso que a produtividade do trabalho, liberada da propriedade individual, ficasse de fato ilimitada. Não foi o que ocorreu e o progresso entrou em pane.
"Abundância e Liberdade" é uma crítica da esquerda. Não trata, tão somente, de constatar que o internacionalismo operário, que levaria ao socialismo, entrou em parafuso. O internacionalismo que restou, o burguês, segue a lógica do lucro, em si competitiva e destrutiva.
O livro admite que a finitude dos recursos, bem como do incremento deles por meio da tecnologia, gerou um lento apocalipse. Porque o motor da economia mundial é a expansão contínua, que leva à exaustão de solos, rios, mares, a um oceano de detritos e, por fim, ao desequilíbrio planetário.
Foi um processo histórico. Na sua aurora, a globalização foi uma parceria público-privada dos impérios europeus com a Companhia das Índias —empresa à época maior que, somadas, Amazon, Google, Microsoft, as multinacionais do petróleo, os maiores bancos e a Meta.
A dinâmica do processo era mercantil: a extração de matérias primas e produtos para o mercado europeu. Nas Américas, o sistema produtivo provocou, do norte do Canadá à Terra do Fogo, a extinção de milhões de pessoas e de milhares de espécies vegetais e animais.
Extração e extinção continuam. Lá, cá e alhures.
Lá: Charbonnier nota que a maior revolta na França desde 1968, a dos coletes amarelos, foi provocada por uma medida ecológica, o aumento da taxação dos combustíveis para diminuir a circulação de carros.
Cá: dizendo-se sensível à ecologia, o PT, em aliança com a escumalha, perpetrou Belo Monte e incrementou o pré-sal, onde dorme uma energia fóssil e imunda. A sua exploração explodiu porque a Odebrecht e similares corromperam, a fundo e a rodo, dirigentes partidários e da Petrobrás.
Alhures: em sete anos, a ditadura chinesa tirou 100 milhões de pessoas da miséria, uma velocidade sem paralelo na história. Mas acabou com o igualitarismo e criou o país mais poluente do mundo. Indiretamente, a China devasta biomas brasileiros, importando soja e carne de latifúndios onde antes floriam o cerrado e a Amazônia.
Charbonnier diz que a resistência ao cataclisma climático se dá nas comunidades que se insurgem contra a espoliação predatória. No entanto, os exemplos da resistência ao progresso são poucos e pequenos.
Ei-los: regiões zapatistas de Chiapas, no México; a ZAD, Zona a Defender, de Notre-Dame-des-Landes, na França, que impediu a construção de um aeroporto e se diz autossustentável; comunidades mantidas por indígenas da América do Sul e do Alasca.
Difícil imaginar que tais territórios possam dar origem a uma federação que sirva de alternativa ao desastre climático. Em que pese a crise da esquerda, a tomada de poder em países-chave parece mais realista. Mas os novos socialistas teriam de ser progressistas contra o progresso.
Texto de Mario Sergio Conti, na Folha de São Paulo.
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