Rua Nascimento Silva, 378. Por sorte não estava passando distraída, vendo algo no celular ou com a cabeça em outras coisas. Naquela tarde, só parei e contemplei o prédio de tijolinhos, tentando atinar o que havia nele de familiar. Até que, num estalo, me percebi dentro de um disco do Renato Russo.
No Rio —onde do Leme ao Pontal não há nada igual, o bairro de Laranjeiras satisfeito sorri e the girl from Honório Gurgel também balança a caminho do mar— é bastante comum ter epifanias musicais numa virada de esquina. Tanto que o número 107 daquela mesma rua já era conhecido desde uma canção Toquinho e Vinícius que geolocalizava o endereço de Tom Jobim.
Alguns quarteirões mais adiante, o tal predinho não tinha placa comemorativa. Era, sim, o cenário da foto com Renato Russo segurando uma rosa na capa de “The Stonewall Celebration Concert”, mas sobretudo o lugar em que ele viveu até a sua morte, em 11 de outubro de 1996, 25 anos hoje.
Reza a lenda que, outro dia mesmo, o carro do líder da Legião Urbana continuava estacionado na porta. Não o Opala azul do Johnny, o cara legal que morreu quando tinha 16. Renato tinha 36 e, ao que parece, dirigia um Ômega verde.
Do meio da calçada, tive vontade de driblar o porteiro e subir as escadas de um universo paralelo, a fim de visitar o cantor e atualizá-lo sobre o Brasil. Só para vê-lo perguntar, mais em tom de desabafo do que de cantoria, “que país é esse???”.
Pena que não dá para interfonar. Todos os pertences do trovador solitário foram preservados ao longo desse tempo, mas a maioria deles está agora num armazém em São Paulo. Virou acervo de documentários e exposições. Uma delas, no MIS, permitiu que fãs vissem os oclinhos, a cama de solteiro, as camisas que matariam Agostinho Carrara de inveja e a letra de várias composições em caligrafia miúda.
Sua vitrola e a imensa coleção de LPs —entre eles, um do grupo Menudo— também foram catalogadas. São 6.000 itens. Tem até porta-joias em formato de coração.
Olhando a janela do 201, gosto de imaginar Renato —o astro irreverente que regravou Madonna e hits da Broadway e da Disney— de chinelas e roupa de andar em casa. Vivo e à vontade, cantarolando o cover de Bob Dylan que está no disco do predinho. “If you see him, say hello”. E quem reencontrá-lo, seja onde for, que mande esse “alô” por todos nós.
Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo.
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