Você sabia que Bolsonaro fica siderado quando vê os lábios carnudos de Hamilton Mourão, e lhe dá uma vontade louca de pendurá-lo num pau de arara e aplicar-lhe um bilu-bilu no bilau?
Você sabia que não há papo mais chato nessa republiqueta de tagarelas do que sobre as eleições de 2022, e a casta política só fala nisso porque assim perpetua sua tagarelice na republiqueta?
Você sabia que todos os mamíferos são capazes de saltar, exceto os da terceira via?
Você sabia que as Três Irmãs Vocalistas não eram três, nem irmãs, nem vocalistas, e por isso Gilberto Kassab se orgulha de não ser de direita, nem de centro, nem de esquerda?
Você sabia que, assim como o sabiá que sabia assobiar, Aécio só sabe aeciar, mas a imprensa insiste em lhe fazer perguntas sobre relações internacionais, astrofísica, Nossa Senhora de Aparecida, as eleições de 2022 —e nenhuma sobre como acomodar o máximo de cédulas numa mala?
Você sabia que a escritora Carson McCullers se chamava Lula Carson Smith, e a gorilada logo deduziu que foi por isso que, criptolulopetista avant la lettre, ela associou os enrustidos fardados ao militarismo assassino em “Reflexos num Olho Dourado”?
Você sabia que D. H. Lawrence também ligou a repressão aos gays ao sadismo militar em “O Oficial Prussiano”, o que fez com que Augusto Heleno, dando risotas maléficas, proibisse alusões a Bolsonaro na análise dos dois livros na Academia Militar das Agulhas Negras?
Você sabia que João Santana, um lavador de dinheiro que mamava no caixa dois, foi contratado por R$ 1,2 milhão para alardear que Ciro Gomes passará a peixeira em quem lava dinheiro e mama no caixa dois?
Você sabia que as hienas políticas têm sete vidas, e por isso não será surpresa quando Palocci fizer lives sobre moralidade pública e abrir uma consultoria de negociatas, deduragem e traição?
Você sabia que o último “007” está cheio de referências a Proust, a Swann, à madalena, ao tempo perdido e ao reencontrado, mas como o filme é lixo do primeiro ao último fotograma, isso quer dizer que a indústria cultural tem licença para matar até o pobre Proust?
Você sabia que, com a morte de 007, o filme insinua que o próximo Daniel Craig será uma negra, e com isso todos os problemas mundiais estarão resolvidos, mesmo o dos serial killers à Bolsonaro, que querem matar todo mundo que não chame Bolsonaro?
Você sabia que, como o Brasil só produz farelo e quirera, e não dá para garantir migalhas para todas as mesas, nacos do Estado são abocanhados por guildas de rábulas, doutoras, espécimes de todo o espectro dos gêneros, jagunças, comendadoras, milicas e minorias megamínimas?
Você sabia que as grandes proprietárias acham isso ótimo, desde que continuem com o Estado nas mãos e ninguém toque nas suas terras, lucros, heranças, impostos, joias e jatos?
Você sabia que é por isso que as redes do varejo e os bancos anunciam que aqui há lugar para todas, todos e todes?
Você sabia que aqui a direita é marxista e a esquerda, hegeliana, pois a primeira sabe que a economia molda a exploração concreta, e a segunda crê que o fraseado ideológico fará com que o ideal molde o real?
Você sabia que, na penúria geral da URSS pós-revolução, Trotski disse que o risco da corrupção dos sovietes cabia na máxima “quem tem algo a dividir não se esquece de si mesmo”?
Você sabia que os burgueses ilustrados brasileiros cabem numa van, mas alguns deles nem sabem que estão dentro dela?
Você sabia que João Moreira Salles, com uma fortuna estimada de US$ 2,5 bilhões, disse numa entrevista a Pedro Bial que integra a classe média, mas logo se corrigiu: “classe média alta, que seja?”.
Você sabia que não há motivo para desespero porque, no fim, tudo no Brasil dá certo, tanto que nos últimos dez anos o número de favelas dobrou e há 20 milhões de pessoas passando fome?
Você sabia que os brasileiros levaram uma tunda em 1937, no pós-Guerra, no golpe militar, em 1968, na campanha das Diretas, no levante de 2013, na truculência de Temer e no governo espúrio de Bolsonaro, e as derrotas continuadas criaram estigmas indeléveis na alma nacional?
Você sabia que, por essas e por outras, Drummond disse há 80 anos que “chegou um tempo em que a vida é uma ordem". "A vida apenas, sem mistificação?”
Você sabia que depois o poeta maior se resignou à vida menor, dizendo: “Não o morto nem o eterno ou o divino, apenas o vivo, o pequenino, calado, indiferente e solitário vivo. Isso eu procuro”?
Texto de Mario Sergio Conti, na Folha de São Paulo.
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