“Acordada a essa hora, filha?”
“Eu preciso estudar, o vestibular é na semana que vem.”
“Sabia que você estava perdendo seu tempo com bobagem. Por que você não abre um pouco o Tik Tok? Lá tem bastante conteúdo. Desafios, dancinhas, dublagens. Muita gente da sua idade viralizando... Ou você quer acabar como o seu irmão?”
“Ele é CEO de multinacional.”
“Quantas vezes eu vou ter que te lembrar que o seu irmão teve uma adolescência superproblemática? O garoto nunca postou uma trollagem, nunca hitou com um tuíte, os perfis eram mais parados do que obra da prefeitura. Nessa idade, vocês só têm uma obrigação: passar vergonha na internet. Eu dou celular de última geração, pago o melhor pacote de dados, e é isso que eu recebo?”
“Deixa ele, mãe.”
“Eu não sei onde eu errei com vocês. Tanta gente fazendo uma grana forte jogando online, vendendo pack do pezinho. E logo você, uma menina tão comunicativa, tão câmera-friendly, que tinha tudo pra ser uma influenciadora digital, desperdiçando todo seu talento estudando. Vestibular não garante futuro para ninguém. Não dá para viver mais de carteira assinada no Brasil. O negócio agora é engajamento, permuta, recebidinhos.”
"A Julia também estuda e você adora ela.”
“Você lava a boca pra falar da Julia que ela tem a sua idade e já foi cancelada três vezes. E isso foi desculpa para ela deixar de gerar conteúdo? Nada disso. Só hoje ela já postou pelo menos uns cinco vídeos e uma belfie.”
“Belfie?”
“Você não sabe o que é belfie? Que absurdo. É uma selfie da bunda. Coisa mais fácil de fazer, só virar de costas para um espelho e usar a câmera frontal. Vai te deixar até mais animada, a recompensa imediata de curtidas produz dopamina, sabia? Dizem que vicia, mas é melhor do que essa pressão por desempenho nos estudos, isso não faz bem para sua saúde mental. “
“Preciso terminar meu simulado, depois a gente conversa.”
“OK, mas amanhã sem falta vou agendar uma sessão pra você.”
“De terapia?”
“Se você quiser ficar uma hora por semana falando sobre seus traumas mais íntimos, melhor criar um podcast. Eu vou agendar uma sessão com um tatuador que eu conheci pelo Instagram. Já passou da hora de você ter uma tatuagem na cara, que nem o Whindersson Nunes. Vai ser ótimo para sua carreira.”
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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