É uma imagem que me impacta sempre. Épico e transtornado pela morte do irmão, João Coragem perde as estribeiras, puxa uma marreta e pronto: a pedra mais importante das telenovelas vira pó. O diamante mais raro da nossa TV.
Com a morte de Tarcísio Meira, na semana passada, fiz questão de rever a cena clássica. E me peguei refletindo não sobre as propriedades físico-químicas de um composto tão rígido de carbono, mas de
que forma ele simboliza o carisma e a trajetória desse ídolo.
Nenhuma homenagem ao maior galã do país economizou esse termo inescapável, que inclusive vou repetir: “galã”. Sinônimo fácil para mocinhos sérios e irresistíveis, de beijos implacáveis. Além de milionários sisudos e empedernidos, alguns com dores de cabeça mortais. Contudo, nem Tarcísio investia numa imagem assim tão sólida. A graça também era seu elemento.
Como rotular o ator que, no terraço da Globo, debaixo de sol e num figurino rocambolesco, toureava entre risadas uma bicicleta improvisada com chifres? Na base do truque, ele levava o público
de “Sangue e Areia” à Espanha.
Desafiando mistérios do universo, o astro foi onde Steven Spielberg algum jamais esteve. E não parou nos “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, garantindo vida longa e próspera ao seduzir uma alienígena que era sua própria mulher na série “Tarcísio & Glória”.
Só de cueca, desceu a escada rolante do shopping Eldorado para que pudéssemos flagrá-lo com todo o seu senso de humor à mostra em “Guerra dos Sexos”. Ao invés dos martínis de 007, tomou muita mamadeira como o atrapalhado agente de “Araponga”. E o que alguns não sabem: em 1967, teve até seu momento “Friends”, estrelando uma sitcom de rapazes que dividiam apartamento, sempre às voltas com garotas. “Os galãs atacam de madrugada.’
Quando fui entrevistá-lo, não perguntei das comédias. Falamos de Hermógenes, vilão de “Grande Sertão: Veredas”. “Sujeito cruel. Quis fazê-lo o mais asqueroso possível.” Muito sério, Tarcísio completou: “Eu crio cães, sabe? E costumo batizá-los com o nome dos meus personagens. Daquela vez, achei que o cachorro seria igual a ele”.
E depois de uma pausa dramática, a marretada: “Mas deu tudo errado! O Hermóneges peludo me saiu o maior galã que já tive. E ainda por cima manso... Que nem eu!”, gargalhou. Feito um diamante raro, precioso e desconstruído: puro Tarcísio.
Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo.
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