segunda-feira, 2 de agosto de 2021

O patrono assassinado


Todos os anos, milhares de candidatos disputam uma vaga para a carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores. Os aprovados no concurso, após um período de formação profissional de cerca de dois anos no Instituto Rio Branco, passam a integrar o Serviço Exterior Brasileiro e a trabalhar no Itamaraty, em Brasília, ou na rede de consulados e embaixadas do Brasil espalhados pelo mundo.

Cada nova turma, ao formar-se, escolhe um patrono, cujo exemplo e trajetória devem inspirar a atuação dos jovens diplomatas como servidores de Estado. Segundo a coluna Painel de 28 de julho, a última turma de formandos do Instituto Rio Branco teria escolhido como patrono o embaixador José Pinheiro Jobim, torturado e assassinado pela ditadura militar num caso de queima de arquivo.

A confirmar-se, tal escolha não poderia ter sido mais justa e acertada.

O embaixador Jobim (1909-1979) teve carreira corretíssima no Itamaraty. Era economista de formação e, por força de contingências do trabalho, acompanhou, desde o início, por anos, as negociações para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu. Era considerado um especialista no tema. Chefiou, também, embaixadas em Paraguai, Equador, Colômbia e Argélia. Seu último posto foi como embaixador junto ao Vaticano. Não tinha história de ativismo político.

No ano de 1979, já aposentado, compareceu à cerimônia de posse do presidente João Figueiredo. Na ocasião, comentou com colegas de Brasília que escrevia um livro de memórias. Nele, apresentaria denúncias de superfaturamento milionário nas obras de construção do complexo de Itaipu. Sete dias depois desse episódio, já no Rio de Janeiro, José Ribeiro Jobim desapareceu. Seu corpo foi encontrado na Barra da Tijuca, pendurado numa árvore pelo pescoço, num arremedo de suicídio —causa mortis sugerida no inquérito policial.

Alertadas por uma testemunha que recebera, numa farmácia, um bilhete de Jobim, no qual ele alertava sobre seu sequestro, a viúva e a filha do embaixador batalharam judicialmente até esclarecerem as reais circunstâncias de sua morte. Em 2018, o Estado brasileiro finalmente assumiu sua responsabilidade e reconheceu tratar-se de “um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política.”

O atestado de óbito de Jobim passou a refletir “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.

Ao pretenderem honrar a memória de José Pinheiro Jobim, os jovens diplomatas valorizam seu exemplo de retidão e cumprimento às leis como agente público. Sublinham, igualmente, a obrigação dos servidores de não compactuar com ações que violem a Constituição Federal.

Essa possível escolha dos formandos também aponta para a necessidade de os diplomatas terem sempre presentes os prejuízos que a falta de democracia pode infligir à instituição e a seus integrantes —e essa memória é importante para uma organização de Estado, como o Itamaraty.

Com essa homenagem, os jovens diplomatas indicam, finalmente, o caminho ético que querem seguir como servidores públicos, rejeitando regimes de exceção, deplorando seus atos e honrando suas vítimas.

Deve-se ver com alegria e otimismo essa direção em que aponta a mais nova geração de diplomatas, servidores públicos que terão a seu encargo projetar a imagem e defender os interesses do Brasil no mundo.


Texto de Alexandre Vidal Porto, na Folha de São Paulo

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